Título: Chávez visita Morales e leva técnicos para ajudar bolivianos
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Especial, p. A11

Às vésperas de encontrar-se com os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Néstor Kirchner, para discutir os efeitos do decreto boliviano de nacionalização do setor de gás e petróleo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, recebeu em La Paz o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que levou técnicos da estatal venezuelana de petróleo PDVSA para tratar da cooperação técnica entre os dois países.

Técnicos da PDVSA já assessoram o governo boliviano, segundo executivos de empresas do setor de petróleo. O porta-voz do governo, Alex Contreras, afirmou que o encontro entre os dois presidentes em La Paz se destina a dar explicações a Chávez sobre o decreto, e que a nacionalização na Bolívia poderá dar um novo enfoque ao projeto de integração energética sul-americana. Ele rejeitou enfaticamente a influência de Chávez na decisão surpreendente de Morales, de anunciar a nacionalização, no feriado de 1º de maio.

"Foi uma decisão soberana do governo boliviano, que não consultou ninguém", disse Contreras. A presença de Chávez em La Paz e no encontro presidencial de hoje na Argentina mostra a forte influência do venezuelano sobre Morales, com quem assinou, na semana passada, um Tratado de Cooperação dos Povos, no qual oferece ajuda econômica e técnica aos bolivianos. A Venezuela não compra gás nem óleo da Bolívia.

Chávez foi consultado por Lula na terça, quando o governo decidia que reação tomar à decisão boliviana. Segundo um assessor do governo brasileiro, Chávez se ofereceu para participar do encontro. O governo avaliou que, por sua influência com Morales, seria melhor que ele participasse.

Autoridades bolivianas, ao mesmo tempo em que rejeitam insinuações de influência de Chávez na decisão de Morales (que, com a nacionalização, cumpriu uma promessa de campanha), fazem questão de apontar a PDVSA e a Venezuela como possíveis aliados em investimentos e apoio técnico.

O ministro de Hidrocarbonetos (gás e petróleo) da Bolívia, Andrés Soliz Rada, informou que, entre os projetos de investimento negociados para o setor, alguns com empresários bolivianos, conta assinar em dez dias um contrato com a PDVSA, de construção de uma fábrica de separação de gás na região de Rio Grande. Os grandes campos, como os operados pela Petrobras já têm fábricas desse tipo, necessárias para separar impurezas do gás para exportação. O decreto de nacionalização não faz referência a essas fábricas da Petrobras, mas sua localização nos campos tomados pelo governo gera incertezas quanto ao que será feito desse patrimônio da estatal brasileira.

Apesar do discurso pela nacionalização dos recursos minerais, que justificou a tomada de campos e refinarias da Petrobras, o vice-presidente da Bolívia, Alvaro García Linera, garantiu que o governo não expropriará projetos de mineração em curso, dos quais o principal é a mina de San Cristóbal, investimento em torno de US$ 600 milhões a US$ 700 milhões, da americana Apex Silver Mining.

O que se cogita, explicou, é elevar o imposto cobrado sobre as mineradoras, que hoje pagam reconhecidamente, tributos minúsculos sobre suas operações.

As afirmações de Linera não tranqüilizaram os empresários e o governo americano, que viu garantias semelhantes serem feitas ao Brasil em relação à Petrobras. As autoridades bolivianas dizem, porém, que os investimentos estrangeiros foram necessários para reativar o setor, que estava decadente. Mas o aumento dos impostos, ainda de tamanho desconhecido, pode causar problemas. Os americanos argumentam que a cobrança de baixos impostos foi determinada em contrato exatamente para viabilizar o negócio.

O governo americano já indicou que qualquer ação de expropriação sem indenização justa acionará automaticamente um dispositivo da lei americana que obriga o Executivo a votar contra o país em todas as instituições financeiras multilaterais, como o FMI, o Banco Mundial e o BID. A Bolívia negocia o perdão de sua divida no BID, o que já enfrentava resistências do Brasil, que preferia ver os sócios ricos do BID financiarem o perdão.

Linera tem dito que, se não pensa em reestatizar a mineração (ainda que o aumento do imposto, na prática possa provocar efeito semelhante), cogita sim nacionalizar terras privadas consideradas improdutivas. O governo elabora em sigilo uma Lei da Terra que determinará a desapropriação.

O tema preocupa os sojicultores brasileiros, responsáveis por 40% da produção da soja boliviana. Morales, na campanha eleitoral, chegou a dizer que só bolivianos teriam direito a cultivar soja. Depois desmentiu-se. Na segunda, chegou a falar de novo em dar aos bolivianos a exclusividade da exploração da "rica terra" do país.

"Estou mais tranqüilo hoje do que ontem. Confio em que o governo terá o bom senso de manter nas mãos dos brasileiros a produção que ajuda o comércio da Bolívia", disse ontem ao Valor o presidente da associação dos produtores de soja, Nilson Medina.