Título: O PT está entre a punição exemplar e o esquecimento
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Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Opinião, p. A12

Existem duas leituras para as decisões do 13º Encontro Nacional do PT, realizado no final de semana, relativas à investigação e punição dos dirigentes envolvidos com práticas pouco ortodoxas de captação de recursos para financiamento de campanhas eleitorais e para cooptar os pequenos partidos de centro-direita. A primeira leitura, pessimista, é a de que a determinação para que o Diretório Nacional "regulamente os prazos e procedimentos para realizar o processo de apuração das responsabilidades relativas à crise vivida pelo PT no ano de 2005" adia o acerto de contas com a ética. A segunda, oposta, é a de que o encontro abriu uma instância de investigação que retira o problema da órbita de influência da antiga direção. Na Comissão de Ética, o assunto andou pouco, foi oferecida a cabeça do ex-tesoureiro Delúbio Soares à opinião pública e veio, então, o esquecimento. Colocar no circuito um Diretório renovado pelas eleições diretas do ano passado, onde o controle do Campo Majoritário do ex-ministro José Dirceu é relativo, pode ser a retomada do processo de investigação das irregularidades e punição dos responsáveis pelo esquema de caixa 2.

A decisão é ambígua e seria salutar, inclusive para o próprio PT, que fosse esclarecida. O Diretório Nacional não foi convocado ainda para definir os "prazos e procedimentos"; e os "prazos e procedimentos" não estão esclarecidos até que a Executiva Nacional reúna formalmente a instância partidária para isso. Isso pode ser uma medida protelatória - e até os integrantes da esquerda concordam que, para o partido, não seria interessante mexer nessa caixa de marimbondos no período eleitoral.

A favor da interpretação otimista - a de que não se quer protelar ou jogar para baixo do tapete a investigação de fatos de ilegalidade evidente - existe o fato de que a única data marcada nos documentos aprovados é a do III Congresso, este para o segundo semestre de 2007. Ao Congresso caberia uma "discussão mais profunda" sobre "os equívocos cometidos pelos dirigentes do PT", e portanto esta instância trataria da "dimensão coletiva e crítica" do problema; ao Diretório, caberiam as providências de ordem prática para a investigação das responsabilidades individuais.

A dubiedade se refere às providências de ordem prática. Para contentar suas facções, ou por convicção, todas as referências às irregularidades, nos documentos aprovados, são duros com os acusados e com o partido. O discurso, pelo menos, não traz discrepâncias. O documento "Conjuntura, tática e política de alianças", cujo texto-base foi negociado e apresentado pelo Diretório, destaca, no item "As finanças de um partido de trabalhadores", os problemas com o financiamento de campanha. O documento coloca como um marco na vida do partido os anos 1990, quando ele passou a ser beneficiário do fundo partidário - o que deu "maior autonomia para a burocracia partidária". O segundo momento foi a entrada em cena do financiamento privado das campanhas. Esses teriam sido os caminhos que levaram o PT a optar por "métodos empresariais" nas eleições. Propõe-se um "debate aberto" sobre "os riscos envolvidos na dependência em relação ao financiamento privado das campanhas", que incluiriam "a alteração dos compromissos programáticos e dos vínculos de classe".

O documento é direto também quando condena os atos individuais de corrupção. "Por sua tradição e convicção, o PT luta contra a corrupção e a apropriação privada de bens públicos. As acusações de corrupção contra membros do partido devem ser investigadas, garantindo ampla defesa, e, havendo comprovação, cabe punição rigorosa". Uma moção aprovada no último dia do encontro não poupou críticas à direção anterior, inegavelmente com responsabilidades no arranjo ilegal de dinheiro para campanha. Isso fica claro quando condena, como uma prática política "inaceitável", a "centralização das decisões por alguns dirigentes", sem autorização das instâncias".

Nas negociações internas, o PT tem todo o direito de lançar mão de dubiedades para conciliar interesses. Como partido no governo, todavia, e sem dúvida alvo de questionamentos públicos, deve algo mais do que contradições ao país e à opinião pública. Deve uma atitude exemplar em relação aos seus que, como condenava o PT em seu programa de governo de 2002, subordinaram "o interesse público ao interesse particular".