Título: As primeiras lições da recuperação judicial
Autor: Andrade, Flávia Cristina M. de Campos e Camara, Fe
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Com a recente aprovação de alterações ao seu plano de recuperação judicial, a Parmalat encerrou mais uma etapa de sua reorganização, que resultou na venda do controle da empresa e na redução drástica de seu passivo financeiro. Esse processo pioneiro de recuperação no Brasil indica algumas lições a serem seguidas por credores e devedores em processos futuros, de modo a conferir maior agilidade e aumentar as chances de sucesso na superação de crises financeiras. Para uma melhor compreensão das lições dadas pelo caso Parmalat, é importante fazermos um breve resumo das diferentes etapas do processo percorrido.

Após um ano e meio de concordata e duas tentativas de negociação com credores, teve início a recuperação judicial. A primeira etapa da recuperação durou seis meses e encerrou-se em dezembro do ano passado, quando foi criada uma estrutura de reescalonamento de dívidas para que a empresa pudesse ganhar sobrevida e tornar-se mais atraente para novos investidores. A segunda etapa foi marcada pela busca de um investidor. Após análise de diversas propostas, foi escolhido um candidato e o plano de recuperação foi modificado para acomodar a nova realidade da empresa. Tanto na primeira quanto na segunda etapa foram verificados momentos de intensa negociação entre credores e devedor. Já a terceira etapa, que se inicia com a homologação judicial das recentes alterações ao plano de recuperação, poderá dar um ponto final à crise da empresa.

Logo, temos que a primeira grande lição do caso Parmalat é a necessidade de injeção de novos recursos, sob pena de fazer naufragar grandes planos de recuperação. Seja por meio de novos financiamentos com prazos longos ou de um simples aumento de capital, empresas em crise necessitam desses novos recursos para reverter sua tendência de queda e completar a recuperação, uma vez que implementar um plano de recuperação traz custos adicionais a uma empresa com situação financeira já deteriorada. Para reposicionar produtos e serviços no mercado, investir visando redução de custos ou simplesmente recompor capital de giro, não há dúvida que a empresa em recuperação precisa de recursos novos. Ou seja, não basta um alongamento de dívida. Nesse cenário, fica caracterizada a importância de um investidor disposto a injetar dinheiro na empresa em crise. Em contrapartida, o investidor poderá inclusive tornar-se o novo controlador da empresa, alinhando o risco incorrido com um grande potencial de retorno.

-------------------------------------------------------------------------------- O diálogo entre devedor e credores deveria se iniciar antes mesmo da apresentação do pedido de recuperação judicial --------------------------------------------------------------------------------

Outra grande lição é direcionada ao devedor. Trata-se da necessidade de iniciar negociações com credores o mais cedo possível. Em termos ideais, o diálogo entre devedor e credores deveria se iniciar antes mesmo da apresentação do pedido de recuperação judicial. Se a todos os envolvidos já interessa que o processo de recuperação seja o mais breve possível, o exíguo prazo de suspensão das execuções contra o devedor (de apenas 180 dias) é motivo suficiente para que as negociações comecem rápido. Entretanto, a agilidade não pode ser confundida com ansiedade para encerrar a recuperação. Caso contrário, surgirão infindáveis assembléias de credores que nada resolvem e apenas aumentam a expectativa e tensão em torno do processo de negociação.

Já entre as lições voltadas aos credores ganha destaque a necessidade de centralização das negociações. Não se pretende que os credores menores sejam preteridos em privilégio dos maiores, mas é importante que o diálogo entre credores e devedor ganhe um canal razoavelmente centralizado, de modo a organizar o processo de negociação, e é natural que tal papel de centralização seja desempenhado pelos maiores credores. Nesse sentido, estruturas como sindicatos ou comitês informais de credores - que diferem do comitê de credores previsto na nova Lei de Falências por sua informalidade e finalidade exclusiva de negociação - permitem aos credores debaterem seus principais pontos internamente para posteriormente levá-los à discussão com o devedor de forma organizada, privilegiando uma composição mais rápida.

Portanto, quaisquer que sejam os casos de recuperação judicial a surgir no futuro, seu sucesso poderá ser diretamente influenciado pela combinação dos seguintes fatores: eficiência na busca de novos recursos, inclusive mediante a procura de um investidor específico; rapidez no início do diálogo entre devedor e credores, de modo a permitir negociações eficientes durante a recuperação; e centralização das demandas dos credores em um pequeno grupo que represente os seus interesses de forma fiel.

Flávia Cristina M. de Campos Andrade e Felipe Ribeiro da Luz Camara são, respectivamente, sócia e advogado da área de reestruturação e recuperação de empresas do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados