Título: Votação no Supremo favorece regime único para contratação de servidores
Autor: Basile, Juliano e Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2006, Brasil, p. A2

Sepúlveda Pertence, ministro do STF: voto modifica reforma administrativa O Supremo Tribunal Federal (STF) pôs em xeque, ontem, importante ponto da reforma administrativa promovida pela emenda constitucional 19, em 1998. Seis dos onze ministros do STF votaram pelo reestabelecimento da norma que obrigava a instituição de um regime jurídico único (RJU) de contratação de servidores públicos no âmbito de cada ente da federação.

Para a União, que manteve um único regime para servidores civis mesmo após a reforma, a decisão não traz impactos. Mas terão problemas Estados e Municípios que, com base na emenda, tenham se utilizado do regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, o mesmo aplicável a trabalhadores da iniciativa privada) para contratar parte do pessoal.

Concebida pelo então ministro do Planejamento, Bresser Pereira, a reforma administrativa de 1998 tinha como um de seus objetivos abrir espaço para a criação e convivência de regimes diferenciados de contratação de funcionários, de forma a dar aos órgãos públicos mais flexibilidade de gestão de pessoal. A idéia era permitir que o quadro de servidores estáveis e com melhor remuneração fosse limitado apenas a carreiras consideradas estratégicas e típicas de Estado: diplomatas, juízes, procuradores, policiais, funcionários do Banco Central, da Receita Federal, por exemplo. Os demais servidores não teriam direito à estabilidade.

Os seis votos dados ontem pelos ministros do STF acabam com essa possibilidade. No caso dos Estados e municípios, as consequências não se limitam à impossibilidade de futuras contratações por regime diferenciado. Estão ameaçadas as contratações feitas pelas CLT desde aquele ano.

No caso da União, durante o segundo mandato do presidente FHC o governo ainda tentou, via projeto de lei, estabelecer um regime diferenciado para o pessoal das agências reguladoras. Mas, por causa de outra decisão do STF, que concedeu liminar a uma ação direta de inconstitucionalidade contra o projeto, as agências continuaram sujeitas ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União.

No julgamento de ontem, os ministros do STF consideraram inconstitucional o texto dado pela emenda ao caput do artigo 39 da Constituição. Até a emenda 19, o artigo exigia que União, Estados e municípios instituíssem, cada um na sua esfera, regime único e planos de carreira para servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações. O atual texto do caput, ontem contestado, não faz referência a regime único. Exige apenas que cada ente federado institua conselho de política de administração e de remuneração de pessoal.

Os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Sepúlveda Pertence e a presidente do STF, Ellen Gracie, seguiram o entendimento do ministro aposentado Néri da Silveira, que já tinha se posicionado sobre a questão. Eles deferiram liminar no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pelo PT, em 1999. O placar da votação está seis a dois. O ministro Ricardo Lewandoski seguiu o voto do já aposentado Nelson Jobim, a favor da mudança promovida em 1998. O julgamento não acabou ontem porque o ministro Cezar Peluso pediu vista.

No intervalo da sessão, os ministros Britto e Pertence disseram ao Valor que ainda não foi decidido se as contratações feitas até aqui pela CLT serão canceladas ou não. Isso será definido quando o processo voltar a julgamento. "Falta definir o alcance da liminar", disse Pertence. A dúvida é se será retroativo, pegando as contratações feitas desde 1998, ou se valerá somente a partir da publicação da decisão do STF no "Diário da Justiça".

Os seis ministros que votaram contra o fim do regime jurídico único dos servidores públicos alegaram uma questão formal. Eles entenderam que o texto da emenda 19 foi alterado pela Câmara após a conclusão da votação. "A discussão aqui é saber se a emenda foi corretamente votada. Eu me convenci de que a inconstitucionalidade é chapada", afirmou Pertence. "Prevalecendo os votos, o regime terá de ser único", explicou Marco Aurélio, um dos ministros que ainda não votou.

A ADI não é, porém, totalmente vitoriosa. Outros pontos da reforma administrativa de 1998 que também eram questionados na mesma ação já tinham sido mantidos pelo Supremo. Um deles é a revogação da obrigatoriedade de isonomia de vencimentos entre Executivo, Legislativo e Judiciário para cargos de atribuições iguais ou semelhantes. Há diferenças salariais expressivas hoje entre os poderes. Se a isonomia voltasse a valer, na avaliação de fontes governamentais, o custo fiscal seria imenso, já que a referência seriam os salários maiores.