Título: Na OMC, 748 divergências dificultam um acordo
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2006, Brasil, p. A3

Pascal Lamy, diretor-geral da OMC: expectativa de que as palavras de Bus se traduzam em nova proposta dos EUA Sem surpresa, as enormes divergências entre os países exportadores e importadores marcam praticamente cada linha dos textos que vão servir de base para ministros tentarem chegar a um acordo para cortar tarifas e subsídios agrícolas e industriais, na semana que vem, na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Os mediadores das duas negociações divulgaram ontem os esboços de propostas, sem registrar quase nenhum consenso. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos, a União Européia, Brasil e outros emergentes redobram as sinalizações de que pretendem evitar o colapso da Rodada Doha.

O texto para as modalidades agrícolas, ou seja, sobre fórmula e percentuais de reduções tem 748 colchetes necessitando alcançar um entendimento - quase o dobro dos 402 problemas do texto agrícola que foi submetido aos ministros em Seattle (EUA), em 1999, e que terminou em fiasco.

A questão é como os ministros vão resolver 748 problemas na próxima semana em Genebra, quando as posições têm enorme distância. Mas negociadores se animavam com o que vêem da parte do presidente americano George W. Bush: forte apoio político para avanço da negociação. Em Bruxelas, um porta-voz europeu disse que o comissário de comércio, Peter Mandelson, saiu com a impressão de que Bush está determinado a ter um acordo na OMC.

Por sua vez, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, disse ao "Financial Times" que está esperando para ver se as palavras de Bush vão se refletir na posição negociadora americana. Lamy exemplificou que grandes países emergentes, como o Brasil, mostraram sinais de flexibilidade para reduzir tarifas de importação de produtos industriais, assim como a UE na redução maior de tarifas agrícolas.

O embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney, e coordenador do G-20, o grupo liderado pelo país na negociação agrícola, dirá hoje na entidade que o grupo continua comprometido em concluir as modalidades até o fim do mês e fechar a rodada até dezembro. E para isso, a proposta do G-20 é a base para um acordo.

"A vinda dos ministros cria nova dinâmica e ninguém vem com a idéia de que não vai ter avanços", afirmou o embaixador. "A responsabilidade central (para desbloquear a negociação) é dos que têm de fazer os maiores movimentos, que são as economias mais fortes: os EUA em apoio doméstico e a União Européia e o G-10 (Japão, Coréia do Sul, Suíça, Noruega etc) em acesso ao mercado (corte de tarifas, produtos sensíveis, cotas)."

Ontem, os países se debruçavam sobre os esboços de acordos agrícola e industrial. Crawford Falconer, mediador da negociação agrícola, e seu colega para produtos industriais, o canadense Don Stephenson, já tinham advertido que seus "drafts" não teriam propostas para reduzir as divergências.

O "draft" agrícola de 72 páginas reúne todas as propostas apresentadas, sem se arriscar a propor fórmula e percentuais de cortes de tarifas e subsídios. É um documento "feio para uma situação horrível", como diz um negociador.

O texto para produtos industriais, de 29 páginas, reconhece desde a primeira página que tudo depende do desbloqueio na área agrícola. Uma das poucas convergências é que o corte de tarifas será com base numa fórmula suíça (corta mais proporcionalmente as alíquotas mais altas). Só que há muitas maneiras de fazer isso.

"Os dois textos refletem efetivamente o estado da situação, de enorme dificuldades pela frente e requer trabalho gigantesco", avalia Hugueney. O representante do agronegócio brasileiro, Antonio Donizeti Beraldo, não escondia a preocupação. "O número de temas pendentes de acordo é tão grande que podemos nos indagar se dá para alcançar modalidades plenas até o fim do mês", afirmou.

Sem entendimento nos próximos dias, fica quase impossível fechar a Rodada Doha no fim do ano. A evidência é de que modalidades completas dificilmente serão concluídas nos próximos dias, podendo exigir esforço redobrado dos países até o fim de julho.

Organizações Não Governamentais (ONGs) ontem mesmo sugeriam um "enterro tranqüilo" para a Rodada. Para Aftab Alam Khan, da ActionAid, da Inglaterra, os textos mostram um "quase fatal" bloqueio na rodada. Para Alexandra Strickner, do Instituto para Políticas Comercial e Agrícola, de Minneapolis (EUA), a deterioração da negociação mostra que a maioria dos países não quer um corte radical de tarifas, porque o custo é muito alto em empregos e receita.

As ONGs acusam a UE e os EUA de estarem exigindo demasiado das nações em desenvolvimento na área industrial em troca de reformas agrícolas insuficientes. "Comida barata, roupas e produtos eletrônicos são de pouco uso para pessoas que não podem ganhar a vida em condições decentes", diz Carin Smaller, ativista australiana. Avaliações da Oxfam e do Instituto de Políticas Agrícolas e Comerciais concluíram que a proposta da UE ainda tem brechas para manter subsídios agrícolas desleais e a dos EUA pode mesmo aumentar o montante para os agricultores americanos.