Título: As verdades que o PT pagou para ouvir
Autor: Fernandes, Maria Cristina
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2006, Política, p. A5

Os governos com mais casos de corrupção são, nesta ordem, os de Fernando Collor de Mello (71%), Luiz Inácio Lula da Silva (39%), Fernando Henrique Cardoso (32%), José Sarney (17%) e Itamar Franco (10%).

A percepção foi colhida numa ampla pesquisa de opinião conduzida pela Fundação Perseu Abramo. A instituição petista fez, sob o comando do cientista político e professor da USP, Gustavo Venturi, um dos mais completos levantamentos dos humores petistas e não-petistas em relação ao governo Lula e o Partido dos Trabalhadores. A pesquisa está analisada por Venturi no último número da revista "Teoria & Debate", e sua íntegra está no endereço eletrônico da Fundação Perseu Abramo ( http://www.fpabramo.org.br ).

É um saudável gesto de transparência da fundação divulgar uma pesquisa que traz percepções acachapantes para o PT e o governo Lula, a começar do questionário sobre o grau de corrupção dos governos pós-ditadura. O argumento de que o tempo esmaece os fatos esbarra na desordem cronológica com que o eleitor montou a lista dos governos corruptos.

As perguntas seguintes da pesquisa ponderam suas conclusões iniciais. Apenas 19% acreditam que aparecem mais denúncias porque a corrupção aumentou no governo Lula. Os demais acreditam que hoje surgem mais denúncias porque o governo é de Lula, mas a corrupção é igual à de antes (41%) ou porque este é o governo que mais combateu a corrupção (31%).

Outra constatação dura que os petistas pagaram para ouvir foi a de que a versão Caixa 2 não emplacou. Apenas 10% acreditam nela. Em contrapartida, 25% acham que o mensalão existiu. A grande maioria (51%), no entanto, acredita tanto em Caixa 2 quanto em mensalão e que não há diferença entre ambos.

A convicção de que a relação entre o PT e seus aliados foi contaminada pela corrupção é pontuada de pragmatismo. Metade dos ouvidos sabe que o presidente não tinha maioria para governar e fez bem em buscar aliados, mas deveria escolhê-los melhor.

-------------------------------------------------------------------------------- Corrupção lista Collor, Lula e FHC, nesta ordem --------------------------------------------------------------------------------

A pesquisa disseca ainda o pragmatismo do eleitor de baixa renda e escolaridade. Dois terços dos ouvidos concordam com a formulação da pesquisa de que se Lula tivesse apostado no apoio popular ao ser eleito, não teria ficado tão dependente de alianças. Quem menos concorda com a afirmação é sua excelência, o povo. Quanto mais pobre e menos escolarizado o eleitor, mais baixa é a concordância com a formulação proposta pela pesquisa.

No capítulo dedicado à identidade partidária, surpreende que os eleitores, cientes dos escândalos (70%) e de que Lula tudo sabia (50%), ainda prefiram o PT a qualquer outro partido.

Dos ouvidos pela pesquisa, 23% dizem preferir o PT. As legendas que mais se aproximam são o PMDB (9%) e o PSDB (7%). É um número significativo dado que seis em cada dez eleitores não têm qualquer identidade partidária. Dos quatro que a têm, mais da metade optam pelo PT. É um índice semelhante àquele registrado quando Lula elegeu-se. Ao contrário do presidente, no entanto, é o PT que lidera a lista dos partidos mais rejeitados.

Surpreende que seja no Nordeste, a última região do país em que o PT pôs os pés a que ofereça ao partido seu maior grau de identidade partidária (31%). Isso pode ser facilmente explicado pelo grau de aprovação do governo e pelas intenção de voto de Lula na região. Mas mostra, por outro lado, que a relação do presidente com seu eleitorado mais fiel não prescinde necessariamente das instituições. Os eleitores mais pobres, de pouca formação e que votam no Nordeste reconhecem a intermediação do PT.

O problema é saber até que ponto o PT está igualmente identificado com um eleitor que, se por um lado confia mais no governo do que nos empresários, por outro, reconhece-se mais nas igrejas católica e evangélicas do que no movimento sindical e dá menos importância à reforma política e ao fim do voto obrigatório. É também um eleitor que valoriza mais as realizações do governo do que o padrão ético nele impresso.

Entre o eleitorado petista que antecedeu o governo Lula e o atual, permanece inalterado o patamar dos 40% que preferem o partido porque o vêem como aquele que mais defende os pobres, não exatamente os mesmos a cuja organização se atribui a ascensão do PT na política. O partido apenas sobreviverá a Lula se tiver respostas para esse eleitorado.