Título: Metade dos governantes não consegue se reeleger
Autor: Schmitt, Rogério
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2006, Opinião, p. A10

A possibilidade de reeleição dos governantes para dois mandatos consecutivos é freqüentemente criticada pelos políticos brasileiros. Muitos consideram que a reeleição não passa de um pretexto para eternizar os mesmos governantes no poder. No entanto, esse raciocínio carece de sustentação empírica. Os fatos demonstram que a verdadeira história é outra bem diferente.

De fato, não é uma tarefa fácil para os adversários políticos derrotar um governante que disputa no cargo um segundo mandato. Não há dúvidas de que já estar no governo traz vantagens competitivas a qualquer candidato à reeleição. No Brasil, há evidências que corroboram essa tese. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em 1998, no primeiro turno, com 53% dos votos válidos. As pesquisas eleitorais também sugerem que o presidente Lula é o grande favorito nas eleições de outubro, e que pode ser reeleito sem a necessidade de um segundo turno.

No entanto, o retrospecto das eleições presidenciais brasileiras não pode ser tomado como um parâmetro absoluto, especialmente devido ao número muito limitado de observações. A comparação internacional pode ser muito mais ilustrativa. Nos Estados Unidos, por exemplo, dos sete presidentes que concorreram à reeleição nos últimos cinqüenta anos, não mais do que cinco (ou 71,4% do total) conseguiram ser reeleitos: Dwight Eisenhower em 1956, Richard Nixon em 1972, Ronald Reagan em 1984, Bill Clinton em 1996 e George W. Bush em 2004. Os ex-presidentes Jimmy Carter (em 1980) e George Bush (em 1992) fracassaram em suas tentativas de obter um segundo mandato. Ou seja, sequer no seu país de origem é possível afirmar categoricamente que o direito à reeleição se traduza necessariamente em recondução automática dos governantes em todos os casos.

Também no Brasil, há evidências que demonstram que se reeleger para um segundo mandato não é uma empreitada fácil. Basta examinar os resultados das eleições para governador e para prefeitos das capitais desde que a possibilidade constitucional da reeleição foi estabelecida (por uma emenda constitucional aprovada em 1997). Na média geral de todas as eleições consideradas, somente 69,2% dos governantes aptos a reeleger-se de fato se apresentaram novamente como candidatos. Uma vez submetidos ao julgamento do eleitorado, somente 72,2% dos governadores e prefeitos de capitais lograram obter um segundo mandato.

-------------------------------------------------------------------------------- Submetidos ao eleitor, somente 72,2% dos governadores e prefeitos de capitais obtiveram um segundo mandato --------------------------------------------------------------------------------

Na prática, portanto, a taxa "líquida" de governantes reeleitos corresponde a apenas 50% (69,2% multiplicado por 72,2%) do universo possível de casos. Em outras palavras, metade dos governadores e prefeitos de capitais jamais chega a permanecer em seus cargos por mais do que quatro anos. Curiosamente, tanto no Brasil como nos EUA, a reeleição "bruta" (descontados os casos de não-reapresentação) de governantes é próxima da casa dos 70%.

O primeiro teste da eficácia do princípio da reeleição ocorreu nas eleições de 1998. Naquele ano, todos os 27 governadores eleitos quatro anos antes estavam autorizados a disputar um novo mandato nas urnas. Mesmo assim, apenas 19 efetivamente o fizeram, o que correspondeu a uma taxa de reapresentação de 70,4%. Dos 19 candidatos à reeleição, 13 (ou 68,4%) conseguiram ser reeleitos. O segundo teste da reeleição a nível estadual deu-se no pleito de 2002. Naquela ocasião, dos 14 possíveis candidatos à reeleição, não mais do que oito governadores (ou 57,1%) se reapresentaram aos eleitorados dos seus Estados. Destes, seis (ou 75%) foram bem-sucedidos na empreitada. Na média das duas eleições para os governos estaduais, as taxas de reapresentação e de reeleição foram de 65,9% e de 70,4%, respectivamente.

No nível municipal, o cenário não é muito diferente. Os prefeitos das capitais disputam um segundo mandato e conseguem ser reeleitos a taxas apenas ligeiramente superiores às dos governadores. Na média das duas últimas eleições municipais, a taxa de reapresentação foi de 73%, enquanto que a taxa de reeleição foi de 74,1%. No pleito de 2000, 19 dos 26 prefeitos de capitais (ou 73,1%) disputaram um segundo mandato, mas somente 15 (78,9%) lograram reeleger-se. Já nas eleições de 2004, 11 prefeitos podiam concorrer à reeleição, mas apenas oito (72,7%) efetivamente o fizeram, dos quais cinco (62,5%) foram bem-sucedidos.

Os dados indicam que muitos governantes sequer concorrem à reeleição, apesar de autorizados a fazê-lo, provavelmente antevendo uma inevitável derrota eleitoral. Isto acontece com governadores que chegaram ao final de seus mandatos com baixas taxas de popularidade, ou que realizaram governos fracassados do ponto de vista administrativo. Foi exatamente o que aconteceu, por exemplo, com os ex-governadores Vitor Buaiz (PT-ES) e Itamar Franco (PMDB-MG), ou com o ex-prefeito Celso Pitta (PPB-São Paulo).

As evidências apresentadas neste artigo também demonstram que ser candidato à reeleição não é absolutamente garantia de sucesso. Muitos governadores e prefeitos têm grandes dificuldades para reelegerem-se e alguns precisam de um segundo turno para atingir seus objetivos. Cerca de 30% dos governantes que disputam a reeleição nos níveis estadual e municipal costumam ser derrotados por seus adversários. Os exemplos famosos desse padrão incluem os casos dos ex-governadores Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Esperidião Amin (PPB-SC), e também dos ex-prefeitos Roberto Magalhães (PFL-Recife) e Marta Suplicy (PT-São Paulo).