Título: O futuro da recuperação judicial de empresas
Autor: Fajardo, José
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Passado um ano desde que entrou em vigor a nova Lei de Falências, os primeiros efeitos da legislação são claros: foi dado um grande passo para mudar a cultura de recuperação das empresas em dificuldades, foi dada uma maior ênfase em tornar as garantias mais líquidas e muitas empresas que atualmente estavam com problemas puderam aderir à nova lei.

Até o momento, das mais de 200 recuperações requeridas, pouco menos da metade foi deferidas. Sem contar que ainda estão na primeira fase do processo. Algumas conclusões podem ser tiradas desses números. Em primeiro lugar, a falta de um número maior, tanto de requerimentos como de deferimentos, deve-se ao fato de que os custos de elaboração de um plano de recuperação são altos, podendo chegar a até 10% do valor da dívida, sem contar os gastos com a burocracia - editais, documentação etc. Valores que podem passar dos R$ 100 mil, dependendo da quantidade de credores, que no caso da Parmalat, por exemplo, foram em torno de 10.700 credores. Fica claro que os custos são muito altos, e se a este fator adicionamos o custo de reputação - pois o mercado pode não receber com animo a declaração de recuperação -, então temos um cenário muito desfavorável à recuperação judicial.

Além disso, existe muita incerteza sobre a jurisprudência em relação à recuperação, dado o fato de que empresas grandes têm condições de custear e contratar pessoal altamente especializado, o que permitirá a eles dominar os comitês de credores, enquanto empresas de pequeno e médio porte não terão a mesma capacidade de negociar nos processos de recuperação. Lembremos que existe divergência de interesses entre credores e devedores, pois os credores sempre querem levar vantagem nas negociações, o que pode prejudicar o plano de recuperação.

Por outro lado, proteger os controladores das empresas pode permitir que empresas inviáveis economicamente continuem operando, como aconteceu com a Eastern Airlines nos Estados Unidos em 1989. A companhia aérea fez um plano de reestruturação que envolvia a venda de ativos. O plano foi aprovado, pois o juiz entendeu que era de interesse público que a empresa continuasse operando e que o interesse dos credores não poderia se impor ao interesse público. No fim de 1991 a empresa foi liquidada. Como conseqüência, os credores receberam bem menos do que teriam recebido em 1989.

Basicamente, o conflito de interesses ocorre porque o valor a receber pelos credores é fixo. Isto é, se a empresa se recupera, volta a ser lucrativa e os controladores lucram, enquanto os credores recebem o montante já estabelecido, e quando a empresa quebra, os credores perdem. Por isso eles preferem, na maioria das vezes, a liquidação.

-------------------------------------------------------------------------------- Proteger controladores pode permitir que empresas inviáveis economicamente continuem operando --------------------------------------------------------------------------------

Assim, é preciso que seja criado um ambiente de confiança, necessário para um entendimento entre credores e empresas. Fica claro para os credores que existe um incentivo para o excesso de otimismo na construção do plano de recuperação, dado o fato de que falar do futuro de uma empresa em situação de insolvência, em países com alta volatilidade e com cenários externos também incertos, é visto com pessimismo.

Outro motivo para a baixa aderência à nova Lei de Falências tem sido a questão fiscal, pois é indispensável que, para solicitar a recuperação, a empresa esteja em dia com o fisco, e isso é irreal. As empresas que têm problemas de insolvência, além de ter dívidas com bancos, fornecedores etc., também têm com o fisco. Embora existam projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que ofereçam certa esperança para resolver esse problema, ainda não é claro se as empresas poderão vender seus ativos sem que o comprador leve junto com o ativo as dívidas fiscais e trabalhistas.

Por outro lado, em um mercado altamente competitivo, a probabilidade de falir não é insignificante. Então, o que pode diminuir o risco da falência? Neste sentido, um quesito importante é a governança corporativa, pois a boa governança traz maior proteção para os minoritários. Embora nem todas as empresas tenham uma boa governança, elas terão a obrigação de, cada vez mais, proteger os interesses dos minoritários e aumentar a transparência da gestão da empresa, para assim poder levantar recursos a baixo custo.

No Brasil os níveis de governança corporativa têm melhorado bastante. Porém, se fizermos uma comparação entre os prêmios pagos pelo controle em outros países temos que, nos Estados Unidos o prêmio é pequeno, na Suécia é de 6,5%, na Suíça de 20% e no Brasil se tem estimado que o prêmio está entre 23,19% e 65%, dependendo do setor. Assim, em países onde existe pouca proteção para o credor e para os minoritários, observa-se uma alta concentração acionária, logo são gerados incentivos para possíveis práticas de governabilidade que levem as empresas à falência.

Assim, os próximos anos de vida da nova Lei de Falências serão fundamentais para que não sejam cometidos erros e para que o princípio de igualdade seja respeitado. Juízes desejam fazer o que é justo, e assim estabelecer tratamento igualitário entre empresas e credores de forma a maximizar o bem-estar social, mas isso está longe de ser uma tarefa simples. Por isso, mesmo que muitas empresas prefiram esperar que outras passem pelo teste da recuperação ou que o custo desta diminua, está claro que se deu um grande passo na cultura de recuperação das empresas e que devemos ser otimistas em relação aos benefícios de longo prazo da lei.