Título: Apenas a cooperação vai resolver o efeito estufa
Autor: Castro, Gleise de
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2006, EU & Investimentos, p. D6

Os sinais estão por toda parte. O mais eloqüente foi o furacão Katrina, que devastou o Sul dos EUA, demonstrando que os efeitos da degradação ambiental assumiram proporções globais. Não por acaso, Al Gore, escondido depois da derrota para George W. Bush, voltou à cena com o seu alerta sobre os perigos do aquecimento global, extensa pesquisa que virou documentário e livro, ambos intitulados "An Inconvenient Truth" (algo como incômoda verdade).

Outras advertências aparecem em "Governança Ambiental Global - Negócios & Oportunidades". Os autores, Daniel C. Esty e Maria H. Ivanova, do Yale Center for Environmental Law and Policy , dos EUA, argumentam que, para estancar o processo acelerado de agressões ao meio ambiente, não são suficientes medidas locais e, como se pode avaliar agora, desconectadas umas das outras. A resposta deverá ser global e articulada.

O livro parte do princípio de que qualquer mudança em qualquer ecossistema resulta em impactos, de dimensões variadas, em escala global, e sugere alternativas para melhor se administrar a interdependência ambiental. As mudanças climáticas são particularmente alarmantes porque constituem um dos primeiros e mais difíceis desafios a serem enfrentados no meio ambiente global: a começar pelo fato de que a atmosfera constitui um bem público global. Ou seja, a emissão de gases que aceleram o efeito estufa em um país, por exemplo, atinge a todos no planeta. Da mesma forma, medidas para minorar a questão em qualquer país beneficiam a todos. Portanto, a extensão das mudanças climáticas requer ações coletivas globais, que envolvam tanto o hemisfério Norte quanto o Sul, comunidades locais e globais, além de atores públicos e privados.

As causas da degradação que leva aos cada vez mais assustadores problemas climáticos são o crescimento populacional, especialmente nos países em desenvolvimento, e o consumo crescente de recursos não-renováveis, problema presente em escala particularmente expressiva nos países industrializados. O aumento da população, que dobrou nos últimos 40 anos, leva a pressões de uso cada vez mais intenso da terra. Desde os anos 1950, a quantidade de terra arável per capita vem diminuindo aceleradamente, tendo passado de 1,2 acre per capita para menos da metade disso, hoje. Com o agravante de que, nos países em desenvolvimento, a procura de terra leva a desmatamentos colossais, para transformar matas nativas em áreas agrícolas. Isso resulta em crescimento significativo das emissões de dióxido de carbono. Como se informa no livro, o desflorestamento é responsável por 23% das emissões globais do gás que aumenta o efeito estufa e, só na América Latina, cerca 2/3 do total de emissões são causados por desmatamentos.

A tendência de consumo crescente de petróleo, gás natural e carvão é mais visível no mundo industrializado. Enquanto a população mundial dobrava, o consumo total de energia no mesmo período cresceu cinco vezes. Ampliaram-se explosivamente, então, as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera, que passaram de 280 ppm (partes por milhão) antes da Revolução Industrial, para 370 ppm atualmente. Só os EUA respondem por 21% do total das emissões mundiais, embora detenham apenas 4% da população global. É, pois, imperativo que países desenvolvidos e em desenvolvimento assumam um compromisso substantivo com a ação e que se criem as necessárias estruturas de governança para facilitar acordos, estimular o intercâmbio de experiências e auxiliar na implementação das medidas indispensáveis, propõem os pesquisadores.

No capítulo que trata das origens e perspectivas de uma agenda ambiental global, os autores observam que a expressão "gerenciar a economia global" é usada por representar prioridade de governos, instituições multilaterais de fomento e outros setores. Em contraponto, "gerenciar o meio ambiente global" não deveria soar como uma expressão futurista. "O meio ambiente global é um sistema mais integrado do que a economia global. E é ainda mais fundamental para o bem-estar do ser humano. Ele recebe o impacto poderoso das atividades humanas, por isso requer gerenciamento coletivo", diz.

As preocupações com uma agenda ambiental global já fazem parte de discussões e propostas, tanto de governos nacionais quanto de organizações multilaterais, como a ONU e bancos de desenvolvimento internacional. O mesmo acontece com várias empresas transnacionais que, muitas vezes, se antecipam à ação de governos, com projetos e metas inovadoras. É o caso de companhias que vêm pondo em prática sistemas eficientes de energia, com o objetivo de diminuir as emissões de gases que amplificam o efeito estufa. A BP, por exemplo, estabeleceu um plano para reduzir em cerca de 10% as emissões desses gases entre 1990 e 2010. Outro exemplo é dado pelo consórcio de empresas lideradas pela Shell Hydrogen e DaimlerChrysler, que, em 1999, firmou acordo com o governo da Islândia para tornar o país a primeira economia do mundo movida a hidrogênio.

Outro passo importante citado no livro é a criação do Índice de Sustentabilidade Dow Jones, que acompanha o desempenho de empresas no mundo. Esse indicador foi criado, anos atrás, para estimular o interesse do investidor pela aplicação de recursos em companhias que se comprometem com tecnologia inovadora, liderança industrial e bem-estar social, dado que a preocupação com esses fatores está relacionada a melhores desempenhos financeiros. O livro trata também de recursos necessários para por em prática os desafios da interdependência ecológica.