Título: Para o italiano Monti, pior da crise da dívida na Europa já passou
Autor: Tweed,David
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2012, Internacional, p. A9

O premiê italiano, Mario Monti, sinalizou que o pior pode ter passado para os títulos de governos em maiores dificuldades na região do euro e disse esperar que os líderes europeus acertem uma blindagem para o bloco ainda neste mês.

"Não creio ser provável" que os spreads subam novamente, disse Monti, 68, em entrevista ontem. "A imprevisibilidade dos spreads não é desprezível. Mas vemos, agora, no caso da Itália, um persistente, ainda que gradual, declínio nas últimas semanas. Não vejo, sinceramente, nenhuma razão pela qual esse curso deva mudar".

Amanhã, Monti vai a Bruxelas para uma cúpula de líderes, num momento em que cerca de € 1 trilhão (US$ 1,3 trilhão) em fundos emergenciais do Banco Central Europeu (BCE) ajuda a pressionar o rendimento dos títulos da Itália com maturação de 10 anos para o mais baixo nível em quase seis meses. Embora a premiê alemã, Angela Merkel, venha sinalizando relutância em discutir uma ampliação da escala do socorro à Europa nessa cúpula, Monti disse estar "confiante" em que um acordo virá.

"Tamanho conta", disse ele. "Se o esquema de blindagem for suficientemente construtivo na Europa, acredito que estaremos todos mais bem posicionados para enfrentar quaisquer efeitos adicionais de contágio ou qualquer ressurgimento da crise."

Indagado sobre a divergência alemã de incrementar a blindagem, Monti respondeu: "Eles não disseram que não querem discutir isso em março; eles preferem não discutir isso no dia 1º de março. Março, felizmente, tem 31 dias".

A crise da dívida europeia cedeu desde que o BCE começou a bombear enormes quantidades de dinheiro (em empréstimos por três anos), colocadas à disposição dos bancos em dezembro. Na segunda operação, concluída ontem, 800 instituições financeiras bateram às portas do BCE para receber € 529,5 bilhões em empréstimos. Bancos italianos captaram um total líquido de € 139 bilhões, segundo uma fonte familiarizada com o assunto.

O spread (em relação a papéis do Tesouro alemão) que os investidores exigem para comprar títulos italianos de dez anos diminuiu para 338 pontos base, após ter chegado a 576 pontos, nível registrado em 6 de novembro, um recorde na era do euro. O spread sobre os títulos espanhóis também caiu, para 318 pontos base, após ter chegado a 469 pontos base em novembro.

Monti, que na semana passada completou cem dias no cargo, também alertou contra complacência quanto a um possível calote grego após participar de uma série de recentes encontros de cúpula, não só como ministro das Finanças mas também como premiê italiano. "Houve muitos momentos em que pensei que isso seria uma possibilidade", disse.

Pairou, durante este mês, o risco de um calote grego enquanto o país enfrentava dificuldades para aprovar novas medidas de austeridade, exigidas para um segundo pacote de socorro europeu. O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schaeuble, agravou esse temor após ter dito, em 14 de fevereiro, que a Europa está mais bem preparada do que dois anos atrás para um colapso grego.

"Não creio que alguém possa ter certeza disso, porque seria um cenário e uma sequência de eventos bem imprevisíveis", disse Monti. "É melhor não fazer a experiência".

Os ministros das Finanças da zona do euro devem concluir hoje o segundo pacote de socorro à Grécia, disse uma autoridade, sob condição de anonimato.

Se os líderes "não tivessem chegado a um acordo sobre o segundo pacote, isso poderia ter criado uma situação brutal para a Grécia", disse Monti. Teria produzido "efeitos de contágio que afetariam a Espanha e a Itália, apesar do bom progresso alcançado por esses países."

Monti, que comanda um governo não eleito formado por tecnocratas, recebeu aplausos de investidores desde quando assumiu o cargo, em 16 de novembro, em meio à pior crise financeira em duas décadas no país.

O ex-comissário europeu de Concorrência agiu inicialmente com o objetivo de reforçar as finanças italianas, mediante uma revisão do sistema de aposentadoria e da adoção de medidas de austeridade cortando € 20 bilhões em gastos para equilibrar o orçamento italiano no próximo ano. Seu governo está atuando no sentido de reprimir a evasão tributária e reformar a rígida legislação trabalhista do país, procurando estimular a competitividade e o crescimento numa economia que cresceu a uma média anual de 0,4% na década até 2010.

Monti disse que seu governo está tentando "dar um pontapé inicial" numa mudança cultural no país, visando convencer os italianos de que pagar impostos, criar uma meritocracia e abrir a economia a maior concorrência sustentará o crescimento econômico e ajudará a derrubar a segunda maior dívida da zona do euro.

"Não vamos completar uma mudança geracional, ou seja, uma mudança que normalmente exige uma geração, em 12 ou 15 meses", disse Monti. "Mas é importante dar o pontapé inicial".

O premiê disse que embora a reestruturação da Itália vá levar anos, ele não espera ser convidado a buscar um segundo mandato depois das próximas eleições, previstas para abril do próximo ano. "Se, com meus colegas de governo, realizarmos muito bem nosso trabalho, não creio ser muito provável que eu venha a ser convidado." Mas políticos italianos já falam de um segundo governo Monti.