Título: Nova lei aprovada no Senado deverá inflar poder da agricultura familiar
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2006, Agronegócios, p. B12

Dois anos após intensas discussões, o Senado aprovou terça-feira uma nova lei que deve aprofundar as divergências entre defensores da agricultura familiar e partidários do agronegócio. A Lei da Agricultura Familiar reconhece o segmento como categoria organizada e transforma o programa nacional de fortalecimento do segmento, o Pronaf, criado em 1995, em política pública de Estado. Até então, o Pronaf precisava de regulamentação anual do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central.

O projeto da nova lei, que deve ser sancionada na íntegra pelo presidente Lula até o dia 20, estabelece os critérios para definir quem são os agricultores familiares e os conceitos de agricultor familiar. Mas também abre espaço político para reforçar o avanço do segmento nos programas da Embrapa. "A lei nos dá força para ir além dos projetos de inclusão social, nos dá força para criar pesquisas de geração de tecnologias exclusivas para a agricultura familiar", diz o coordenador do Núcleo Agrário do PT, deputado Assis Miguel do Couto, do Paraná.

Na discussão entre agricultura familiar e agronegócio, Couto sustenta que os modelos "não são iguais" porque as demandas são "muito" diferentes. "Embora produzam alimento para os mercados interno e externo, ambas têm especificidades complexas", defende. Segundo ele, o texto reconhece a atividade como categoria e garante "políticas diferenciadas" e "tratamento especial" ao segmento. "Isso ajudará a reduzir o êxodo rural e a manter um modelo diversificado no campo", afirma.

A nova lei reforçará ainda o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, defendia a fusão das duas Pastas ."Isso também fortalecerá o Incra", diz. O texto chega num momento de tensão entres ruralistas e agricultores familiares por causa da proposta de revisão dos índices de produtividade das lavouras para fins de desapropriação.

O tema abriu uma guerra de bastidores entre o novo ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, e a bancada ruralista. "Se insistirem nisso, vamos convocar o novo ministro para explicar o assunto em audiência pública no Congresso", diz o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO). "Não vamos fazer nada sem consenso", rebate o secretário de Agricultura Familiar do MDA, Valter Bianchini. O Valor apurou que uma decisão sobre esse tema deve ficar para depois das eleições.

Em meio a outra polêmica, o projeto reforça a posição das cooperativas de economia solidária, ligadas sobretudo a movimentos sociais e sindicatos, nas discussões sobre a nova Lei do Cooperativismo, paralisada no Senado desde o envio de emendas do governo. "Além disso, a lei pode resultar na criação da Secretaria de Cooperativismo da Agricultura Familiar, na linha da inclusão e economia solidária", afirma o deputado Couto. Hoje, o Ministério da Agricultura já conta com um departamento para cuidar do tema.

O texto mexe também no enquadramento sindical dos agricultores, o que opõe entidades de trabalhadores, como a Fetraf e a Contag, à representação patronal, sobretudo da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). "De fato, a lei fortalece a Fetraf e a Contag. Mas só porque atenderá aos agricultores que estavam numa zona cinzenta e não podiam optar por uma filiação", diz Bianchini.

Os defensores do segmento afirmam ainda que a nova lei garantirá assento de agricultores familiares em câmaras e conselhos superiores de representação.

A nova lei cria condições para a comprovação do exercício da atividade rural de trabalhadores do setor. Abre ainda as portas para a criação de um regime previdenciário específico para o segmento. Boa parte dos atuais segurados deixará de contar com o benefício rural a partir de 25 de julho, segundo prevê a Lei nº 8.213, editada em 1991. O presidente Lula deve editar uma Medida Provisória para garantir aos segurados especiais sua manutenção no atual regime e a extensão por dois anos de prazo para o requerimento dos assalariados. E a nova lei ajudará o segmento. Em 2005, a Previdência Social gastou R$ 26,7 bilhões com 7,4 milhões de benefícios rurais. "Vamos criar uma Previdência separando diaristas e trabalhadores de empreitada dos familiares e patronais", promete o deputado Assis do Couto.