Título: Com ajuda de alimentos e câmbio, inflação resiste à alta da renda
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2006, Brasil, p. A4

O aumento dos rendimentos dos trabalhadores e a continuidade do crescimento do emprego, especialmente o com carteira assinada, não têm aberto espaço para reajustes expressivos nos preços ao consumidor, como ocorria no passado. A maior oferta de produtos agrícolas e a valorização do real em relação ao dólar reduziram o preço de uma série de produtos e neutralizaram as elevações daqueles mais sensíveis ao crescimento da renda.

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), caiu 0,31% em junho e encerrou o semestre praticamente estável, em 0,1%. É a menor variação desde a criação do Plano Real, em 1994. Nos 12 meses terminados em junho, o índice subiu 1,86%, e só foi maior do que a variação de 1999, quando cedeu 0,50%.

Em 1998, quando a inflação fechou o ano em menos 1,79% (apesar da alta de 1,18% no primeiro semestre) o Produto Interno Brasileiro (PIB) teve uma alta pequena, de 0,8%. Agora, se confirmada a expectativa de crescimento em torno de 3,5% para a economia, será um ano com elevação mais expressiva do PIB e, mesmo assim, inflação em patamar historicamente baixo. Paulo Picchetti, coordenador da pesquisa de preços da Fipe, baixou de 4% para 2,5% sua projeção para o IPC no fechamento de 2006.

Para o economista Adriano Lopes, do Unibanco, o crescimento da renda e do emprego ainda está dentro do "comportado pelo PIB potencial do país" que, para ele, é de 3,5% em 2006. Portanto, mesmo os preços mais relacionados à demanda, caso dos serviços, não estão subindo a níveis elevados. "Isso é muito positivo, pois mostra que a inércia desse grupo, um dos que mais têm resistido nos últimos anos, está cada vez menor", diz ele.

Por outro lado, a variação negativa dos preços de alimentos e o barateamento de produtos, como eletroeletrônicos, e de outros bens industrializados, têm exercido papel fundamental nas menores altas da inflação ao consumidor neste ano. São duas âncoras verdes: produtos agrícolas e o dólar.

"Esse movimento também contribui para um ganho de renda da população", lembra Otávio Aidar, da Rosenberg & Associados. Ou seja, além do aumento de 3,4% na renda do trabalho nos últimos 12 meses até abril e de uma alta de 2,1% na média do quadrimestre, houve um ganho adicional provocado pelos índices de inflação mais baixos. Em 12 meses, a massa de rendimentos já cresceu 5,5%.

Neste ano, até maio, os preços livres, medidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acumulam uma alta de 1,29%, bem inferior aos 2,69% do mesmo período do ano passado. Essa elevação foi fortemente influenciada por aqueles produtos que não são exportados pelo país, os chamados bens não-comercializáveis. Eles subiram 1,71% e contribuíram com 0,8 ponto percentual no índice de preços livres. Só os serviços, como manicure, alfaiate e encanador, mostraram alta de 3,3%. Também compõem o conjunto dos não-comercializáveis alguns alimentos in natura, que têm mostrado forte recuo. O item alimentos e bebidas do IPCA cedeu 0,72% até maio.

Os produtos comercializáveis, por sua vez, estão fortemente influenciados pela valorização do real em relação ao dólar. Eles subiram 0,92% no ano e influenciaram em 0,40 ponto percentual o indicador dos preços livres, contribuição que é a metade dada pelos não-comercializáveis.

O economista da Rosenberg faz uma análise diferente da defendida por Lopes. Para ele, os preços dos serviços estão em um patamar elevado e só não preocupam muito porque a inflação como um todo está sendo beneficiada por outros fatores. Aidar ressalta que os alimentos não irão se sustentar em um patamar tão baixo durante muito tempo. "Com preços em queda, os agricultores vão plantar menos, o que diminuirá a oferta e, consequentemente, elevará os preços", afirma. Dessa forma, contribuirão para a alta da inflação. "Se os serviços subirem mais, vão passar a preocupar. Além disso, o Banco Central não quer saber de onde vem a inflação, mas sim em que patamar ela está", sustenta.

Na avaliação de Paulo Picchetti, a deflação em alimentos já está no fim, assim como o recuo no preço do álcool combustível, que foram essenciais para as baixas taxas de inflação até o meio deste ano. Para o segundo semestre, a expectativa é de uma alta de 2,4%, ainda bastante moderada. "Já vemos uma interrupção clara na trajetória de deflação", diz. O cenário de Picchetti continua a contar com um real valorizado nos próximos meses.

Há ainda algumas incertezas para o segundo semestre como que acontecerá com o preço do petróleo e, por consequência, com a gasolina no país. Mesmo assim, o cenário é benigno. "Mesmo sem novas deflações, o IPCA do segundo semestre deve ficar na casa dos 2%, o que é muito positivo", avalia Lopes, do Unibanco.