Título: Projetos nacionais dificultam avanço do bloco
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2006, Brasil, p. A6

Os países do Mercosul ainda estão presos às suas agendas nacionais, e têm dificuldade em fazer os avanços necessários para a integração regional, avalia o presidente da Comissão de Representantes do Mercosul, Carlos Chacho Álvarez, ex-vice-presidente da Argentina.

Figura onipresente na reunião extraordinária de presidentes do Mercosul em Caracas , que formalizou o ingresso da Venezuela, Chacho Álvarez se diz otimista em relação ao futuro do Mercosul, embora reconheça o que ficou óbvio no encontro em território venezuelano: a atuação da maioria dos presidentes do bloco tem sido mais voltada às reações do público interno que às tarefas de reconstrução da união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e, agora, Venezuela.

Nesse grupo, além do presidente Luiz Inácio Lula de Silva, talvez o único presidente empenhado na formação de um bloco supranacional seja o calouro Hugo Chávez, da Venezuela. Ele não esconde seu projeto geopolítico, que envolve a criação de uma opção "do Sul" ao hipnotizante mercado dos Estados Unidos, a aliança entre países extremamente nacionalistas e antiliberais, como Irã e Cuba, e a forte intervenção estatal, com políticas públicas ortodoxas ou populistas. "Com a entrada da Venezuela, o Mercosul agora faz fronteira com a França, e com os EUA", gracejou Chávez, referindo-se ao mar do Caribe, compartilhado por Venezuela e EUA, esquecendo-se de que o Brasil já é vizinho à Guiana francesa.

O projeto de Chávez inclui forte componente armamentista, como puderam comprovar pessoalmente os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, da Bolívia, Evo Morales, e do Paraguai, Duarte Frutos, que, a convite do venezuelano, assistiram ao desfile do Dia da Independência, ontem, com a exibição de 133 aviões da Força Aérea, 10,3 mil soldados, blindados (inclusive Urutus brasileiros), lançadores de mísseis e outros armamentos, além de dois jatos Sukhoi SU-30, que a Rússia pretende vender à Venezuela. Chávez tornou-se o maior comprador de material bélico da América Latina.

Já Kirchner, que detesta cerimônias oficiais e já recusou convites do Brasil para eventos no continente, permaneceu em Caracas, após ter obtido de Chávez apoio para seu projeto de lançamento dos "bonos del Sur", bônus de dívida externa ainda sem características bem definidas, que deverão ter formato definido em 60 dias, provavelmente baseados em garantias do Tesouro venezuelano. Kirchner sonha com uma emissão de US$ 1 bilhão dos novos papéis e sugeriu que eles poderiam servir de lastro para o sonhado Banco do Sul, que Chávez quer criar na região para financiar projetos de desenvolvimento.

Morales e Duarte Frutos arrancaram promessas de Chávez, de financiamentos de US$ 100 milhões para ações dos respectivos governos. Na noite de terça, durante a reunião de adesão oficial da Venezuela ao Mercosul, Duarte Frutos louvou a "liderança" de Chávez, e, ouvido com expressão séria por Kirchner e pelo presidente Lula, disse que a atuação do venezuelano seria "um potente amplificador" para a voz dos países menores. Em seguida, o presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, queixou-se de que o Mercosul não deveria ser "apenas um acordo de bases tarifárias".

Lula, já preparado para as queixas dos sócios menores, chegou a insinuar, ao chegar em Caracas, que muitas delas seriam motivadas por interesses eleitorais internos de cada um. Ao lhe perguntarem se o Brasil não prometia de mais e fazia pouco pelos sócios, desabafou com uma defesa da responsabilidade fiscal. "O dinheiro não é meu, não é do governo, é do país", afirmou, dizendo-se limitado pelas regras da democracia, e pela exigência de garantias para sustentar linhas de financiamento aos países da região.

Chávez, beneficiado pelo aumento nos preços do petróleo, que inflam o caixa do Tesouro da Venezuela e da estatal petroleira, a PDVSA, tem capitalizado as ofertas de ajuda, sem abrir mão de garantias. Segundo fontes do governo Kirchner, ele mantém, hoje, apenas cerca de US$ 200 milhões, dos quase US$ 2,3 bilhões que comprou em títulos da Argentina, que já vendeu no mercado secundário com ganhos superiores a US$ 100 milhões. A oferta de petróleo financiado aos países do Caribe foi cercada de tantas condicionalidades que, um ano depois, oito das principais economias da região ainda não receberam o benefício.

A falta de maior compromisso com os projetos regionais levou Chacho Álvarez a sondar Lula e Kirchner, para contratação de consultores, que pretende dedicar a coordenar planos plurinacionais no Mercosul. "Há uma sensação de lentidão e falta de avanços no Mercosul", reconhece. Ele quer propor medidas de integração industrial que incentivem, por exemplo, a instalação de fábricas de autopeças no Uruguai, que necessita investimentos. "A entrada da Venezuela deve estimular discussões sobre a integração", acredita.