Título: Falta de mão de obra e produtividade menor afetam PIB potencial
Autor: Machado,Tainara
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2012, Brasil, p. A4

A perda de produtividade da economia brasileira, a baixa taxa de investimento e de poupança, a ausência de reformas institucionais e o mercado de trabalho bastante aquecido afetaram o Produto Interno Bruto (PIB) potencial do Brasil. Esse indicador - que em tese representa o quanto um país pode crescer sem acelerar a inflação - estaria hoje entre 3,5% e 4% para a maioria dos economistas consultados pelo Valor. Se eles estiverem certos, o PIB potencial ao fim do primeiro ano do governo Dilma Rousseff caiu em relação aos dos últimos anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

No início de 2011, o Banco Central perguntou a cerca de 60 participantes do mercado qual era o PIB potencial da economia brasileira. As estimativas concentraram-se no intervalo de 4% e 4,5% ao ano, com mediana em 4,5%. Desde então, no entanto, a economia perdeu capacidade de crescimento, segundo analistas ouvidos pelo Valor, e hoje o potencial estaria situado em uma faixa menor, entre 3,5% e 4%. Para o cálculo, em geral, leva-se em conta a evolução de três grandes variáveis: estoque de capital, oferta de mão de obra e produtividade.

Apesar de ser uma variável que precisa ser estimada - e por isso imprecisa -, Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva o PIB potencial era mais alto, fruto de reformas institucionais durante o Plano Real e, principalmente, do ganho de produtividade no período. "90% da aceleração do PIB em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso decorreu do aumento da taxa de produtividade da economia brasileira, pois não houve avanço importante de investimentos ou mesmo das horas trabalhadas", argumenta.

Esgotado o efeito da agenda de reformas microeconômicas e sem mais avanços significativos nessa área, os ganhos de eficiência deixaram de ser observados. O Ibre ressalta que há seis trimestres a produtividade do trabalho não cresce.

Para André Loes, economista-chefe do HSBC, os gargalos para o crescimento são resultado de anos em que o país cresceu acima do potencial. Um indício importante, diz, é o mercado de trabalho. "A taxa de desemprego está claramente abaixo da natural [aquela que não gera inflação] e com o aumento da concorrência por trabalhadores, os salários reais experimentam forte aumento, sem contrapartida em ganho de produtividade", avalia.

Essa dinâmica pode ser acomodada quando ocorre em um ano, diz Loes, mas a repetição sistemática do cenário leva à queda da competitividade, como está ocorrendo com a indústria. "No curto prazo, teremos que aceitar uma taxa de crescimento mais baixa, no intervalo entre 3,5% e 4%, para adequar a oferta e a demanda no mercado de trabalho", sugere o economista.

Para Pessôa, do Ibre, o crescimento das horas trabalhadas tem sido 15% inferior ao observado durante o governo Lula, já que a atual taxa de desocupação inibe a expansão dessa variável. Essa perda, calcula Pessôa, explica cerca de 20% da queda de 1 ponto do PIB potencial no mesmo período.

Para Sérgio Vale, economista da MB Associados, um indício forte de que o potencial de crescimento da economia brasileira caiu é a inflação. Apesar da atividade ter desacelerado no ano passado, a inflação não cedeu na mesma proporção. "Se o potencial fosse de 5%, teríamos inflação muito mais baixa do que estamos observando atualmente", afirma.

Vale estima que 4% ao ano está mais próximo do que é possível crescer sem gerar pressões inflacionárias significativas. No entanto, diz, é esperado que a economia recupere o fôlego a partir do segundo semestre deste ano, com ritmo acima do potencial em 2013. "Se o Brasil crescer 5% no ano que vem, isso será altamente inflacionário, mais do que foi quando crescemos 7,5% em 2010", afirma.

Para Gustavo Loyola, sócio-diretor da Tendências Consultoria, o fato de que hoje a economia encontra mais dificuldade para crescer sem gerar inflação é um indício da perda de potencial. O ex-presidente do BC, no entanto, faz uma ressalva e lembra que houve um choque de oferta de commodities e de combustíveis entre 2009 e 2010, com importante contribuição para a aceleração dos preços.

Loyola acredita que os dividendos da distribuição de renda e da estabilidade monetária estão próximos do esgotamento e que há necessidade de uma nova rodada de reformas para que o Brasil possa crescer mais. Ele reforça que é necessário aumentar a taxa de poupança, principalmente do setor público, para elevar o investimento na economia. O Ibre calcula que um aumento na taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) de 4 pontos percentuais (por exemplo, de 21% para 25% do PIB) aumentaria em 0,64% ponto percentual o PIB potencial do Brasil.

Na avaliação de Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, a produtividade tem um efeito mais relevante no aumento do PIB potencial do que o aumento de estoque de capital. Ele discorda da avaliação de que a capacidade de crescimento do país caiu nos últimos anos. Borges é categórico e diz que tomar a queda da produtividade em um ano é um equívoco no cálculo para o PIB potencial.

"A produtividade é altamente pró-cíclica. Em anos de desaceleração econômica, cai porque não é possível demitir todos os trabalhadores que seriam necessários para equilibrar as contas, já que há custos envolvidos. Do mesmo modo, as contratações não acompanham a expansão da produção quando a economia se recupera. Por isso, a tendência para o longo prazo tem que ser considerada", afirma.

Nos cálculos da LCA, a Produtividade Total dos Fatores (PTF) cresceu em média 1% ao ano na última década. "O PIB potencial é uma variável mais estrutural. Apesar da queda da produtividade em 2011, não acredito que o potencial recuou. Continua entre 4% e 4,5%", diz Borges.

Aurélio Bicalho, economista do Itaú Unibanco, também não estima que o potencial tenha caído significativamente nos últimos anos. Para ele, a capacidade da economia brasileira é de expansão de 4% ao ano, um pouco abaixo do observado durante a última década, mas ainda um crescimento relevante, afirma.

Para ele, o mercado de trabalho dará, no futuro, uma contribuição menor ao aumento de oferta da demanda agregada, porque o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA), que era de 2,3% ao ano em meados dos anos 90, está agora em 1,3%. Em 2020, projeta, deve cair ainda mais, para 0,9%. "Então, do lado do capital humano, tende a ocorrer um crescimento menor. Mas o que irá ajudar a sustentar o potencial acima de 4% é o aumento da taxa de investimento de cerca de 19% atualmente para algo como 21% do PIB nos próximos anos", afirma.

Para isso, Bicalho também bate na tecla da necessidade de elevação da poupança interna, principalmente do setor público.