Título: A melhor classificação de risco vem do Japão
Autor: Safatle, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2006, Brasil, p. A2

O Brasil recebeu, ontem, a primeira classificação de risco BB +, o que deixa o país a um passo do grau de investimento ("investment grade"). Foi da agência japonesa Rating and Investment Information (R & I ), que centra seu foco nas análises de risco soberano para as emissões de bônus samurais, e que elevou a nota do país em dois pontos, saltando de BB- para BB+. A R & I é a responsável pela classificação do Brasil para esse fim desde 1996.

Em nome do rigor histórico, é oportuno lembrar que o Brasil teve uma única chance de ostentar a nota BB+ , em 1986, quando a Moody's fez, à distância, a primeira análise de risco do país e conferiu tal nota às vésperas da moratória de 1987. A economia brasileira, porém, era algo ainda distante das preocupações das agências, o acompanhamento que faziam era extremamente precário e as agências nem tinham a relevância e abrangência que passaram a ter a partir dos anos 90. Tanto que, mesmo em moratória, a Moody's só foi mudar a nota do Brasil em 1989.

Ainda ontem, outra agência, a canadense Dominion Bond Rating Service (DBRS), que até então só fazia avaliação de risco soberano para bônus emitidos no Canadá, divulgou sua primeira avaliação do Brasil: BB. Ambas as agências de rating colocaram como classificação de perspectiva o grau "estável", considerando que qualquer que seja o resultado das eleições de outubro, é improvável que o novo presidente faça mudanças fundamentais na política macroeconômica.

Os japoneses, assim, dão um passo adiante da Standard & Poor's e da Fitch, que nos últimos meses também moveram um degrau nas notas do Brasil. O que vem alimentar a expectativa de vários economistas do governo de que até o final de 2007 o país poderá vir a tornar-se grau de investimento, resultando em acesso a crédito mais barato no exterior.

Os investidores japoneses, segundo avaliação de Katsuyuki Ushiro, da R & I, ainda são cautelosos com os riscos na América Latina, depois de terem tido pesadas perdas com a Argentina, "mas gradualmente estão sentindo mais confiança no Brasil, na estabilidade econômica, especialmente no fortalecimento do setor externo", informou de Nova York, após a decisão da agência.

O foco da melhoria, tanto para a R & I quanto para a DBRS, está nas contas externas e na persistência da política fiscal, onde o governo vem cumprindo sistematicamente as metas de superávit primário há quase oito anos. Japoneses e canadenses consideram que o país é hoje muito mais resistente a choques externos do que no passado. Ou seja, em última instância, tem hoje plena capacidade de fazer seus pagamentos externos em moeda estrangeira.

-------------------------------------------------------------------------------- Falta, agora, a Moody's dar ao país um 'upgrade' --------------------------------------------------------------------------------

A combinação de câmbio flexível, forte demanda externa e altos preços das commodities resultou em superávit em conta corrente e menor necessidade de financiamento externo, avalia Fergus Mccormick, da DBRS. Ele acredita que o Brasil aproveitou bem os bons fluxos de dólar para melhorar o perfil da dívida e reduzir a exposição do setor público a riscos cambiais, seja recomprando dívida externa de curto prazo ou eliminando a dívida doméstica indexada à taxa de câmbio.

A essa lista, Ushiro acrescenta a quitação antecipada dos débitos junto ao Fundo Monetário Internacional e Clube de Paris (dívidas de governo a governo). Iniciativas que trouxeram a relação dívida externa total/Produto Interno Bruto de 45,9%, em 2002, para 21,3% em 2005, além de acumular robustas reservas cambiais.

Feito o ajuste externo, as atenções das agências de rating voltam-se quase que integralmente para a questão fiscal. Ushiro não está preocupado com eventuais gastos pré-eleitorais, porque confia que a Lei de Responsabilidade Fiscal traz restrições suficientes para garantir a produção de 4,25% do PIB de superávit primário para este ano. Olhando para o futuro, a situação, porém, é mais complexa.

No rol dos desafios para o próximo presidente da República, que devem preceder a obtenção do grau de investimento, a agência canadense faz uma série de ponderações: o alto estoque da dívida pública, a rigidez fiscal, a ineficiência do sistema de seguridade social, o deficiente serviço social que perpetua a pobreza. A DBRS aponta como uma das necessidades mais prementes do novo governo reduzir a rigidez das contas públicas, hoje com elevados gastos mandatórios e grande parcela de receitas carimbadas . E coloca uma interessante questão sobre o que fará o governo com os recursos extras que deverão ser liberados do Orçamento com a redução da taxa de juros. A sugestão que faz é sábia: usar esse dinheiro para aumentar os investimentos públicos e reduzir a carga tributária.

Assim, o mapa do rating do Brasil é o seguinte: BB conforme a classificação da Standard & Poor's, Fitch e DBRS, ou seja, duas notas abaixo do BBB-, que já é grau de investimento; e BB+ para a R & I, a um passo do grau investimento.

Falta, portanto, apenas o movimento da Moody's, uma das maiores agências de classificação de risco, que continua posicionando o Brasil em Ba3 (que equivale a BB-) e não deu sinais de que pretenda, tão cedo, mudar essa nota, embora reconheça os bons fundamentos da política econômica.

A política fiscal deve ser um dos principais elementos da classificação de crédito no futuro, na avaliação de analistas da Moody's, e, nessa área, o Brasil está distante do sucesso que conseguiu obter no ajuste externo. Tão ou mais importante que a relação dívida interna líquida/PIB é, para as agências de classificação de risco, olhar para a dívida interna bruta como proporção do produto. Enquanto, no primeiro caso, a dívida corresponde a cerca de 51% do PIB, tomando a bruta, a relação sobe para a casa dos 72%, muito acima, por exemplo, do México, onde a dívida bruta corresponde a cerca de 22% do PIB, ou da África do Sul, onde esse percentual é de 35%.

Informações colhidas por fontes oficiais indicariam, porém, que há alguma resistência da Moody's em dar classificação melhor para o país antes das eleições presidenciais, e que os últimos atos de "gastança" do dinheiro público patrocinados pelo governo teriam deixado os analistas da empresa com um certo pé atrás.