Título: Consumo não compensa perda na exportação
Autor: Landim, Raquel e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2006, Brasil, p. A3

O aumento do consumo interno não tem sido suficiente para contrabalançar a perda de vendas no mercado externo provocada pela valorização do real. Os setores de calçados, vestuário e móveis amargam queda na produção de janeiro a maio deste ano, apesar da recuperação da renda, provocada pelo aumento do salário mínimo e pelos programas sociais do governo federal. A perda desses segmentos é consequência da queda das exportações e da maior concorrência com produtos importados.

Os dados evidenciam um descompasso entre indústria e varejo. De janeiro a maio de 2006 em relação a igual período de 2005, a produção industrial recuou 6,1% no setor têxtil e 3,5% no calçadista. Já as vendas do comércio varejista de tecidos, vestuário e calçados cresceu 2,6% de janeiro a abril, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"Essa dicotomia entre o varejo e a indústria ocorre por conta da quedas das exportações e do aumento das importações ", explica Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). As exportações de confecções de tecidos planos caíram de US$ 57 milhões para US$ 42 milhões entre janeiro e maio de 2005 e janeiro e maio de 2006. Em igual período, as importações desse item subiram de US$ 60 milhões para US$ 82 milhões.

O diretor-superintendente da Hering, Ulrich Kühn, explica que o consumo aumentou nas regiões Norte e Nordeste, as mais beneficiadas pelos programa sociais do governo, mas está estabilizado em outras áreas. "No balanço, ficamos no zero a zero", diz, explicando que o faturamento da Hering está estável no primeiro semestre em relação a igual período em 2005.

O setor moveleiro também sofre com a queda das exportações. Segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Domingos Rigoni, de janeiro a maio as vendas externas das empresas filiadas à entidade recuaram 11,5% em relação ao mesmo período do ano passado. "O câmbio valorizado está prejudicando as exportações", afirma ele. Números do IBGE mostram uma queda de 1% na produção do setor de madeira e mobiliário nos primeiros cinco meses do ano.

As exportações, porém, não podem explicar sozinhas o desempenho, pois 18% da produção do segmento é exportada. A questão, segundo Rigoni, é que o mercado interno também deixa a desejar. Para ele, o elevado consumo de televisores e celulares reduz a renda disponível para a aquisição de outros bens. De janeiro a abril, as vendas de móveis e eletrodomésticos cresceram 8,5% na comparação com igual período de 2005, mas os números do IBGE não isolam o desempenho de cada segmento.

O presidente do Sindicato das Indústrias Calçadistas de Franca e dono da Donadelli Calçados, Jorge Feliz Donadelli, diz que neste começo de ano as vendas internas tiveram pequena retração. Segundo ele, as empresas menores estão sofrendo com a concorrência tanto dos sapatos importados, principalmente da Ásia, como também das maiores empresas brasileiras. Com a dificuldade em exportar, as grandes empresas redirecionam a produção para o mercado interno.

Pelos dados da Abicalçados, entidade que representa o setor, a quantidade de pares exportados pelo Brasil até maio caiu 8% na comparação com igual período de 2005. No entanto, Heitor Klein, diretor-executivo da entidade, espera que o mercado doméstico demande mais no segundo semestre. "A melhora de renda e de emprego vai se fazer sentir", aposta. O problema é que, por enquanto, as empresas que têm conseguido vender mais internamente não são capazes de compensar as perdas trazidas pela valorização do câmbio.

A economista Lygia Salles de Freire César, da Rosenberg & Associados, diz que o câmbio valorizado está roubando o dinamismo de alguns setores, e isso faz o crescimento da indústria de transformação ser puxado pela demanda interna. O quadro é mais delicado em setores como calçados e têxteis, segundo ela, que têm dificuldades para exportar. Lygia estima que o setor externo contribuiu negativamente com 0,09 ponto percentual para a expansão de 2,9% da indústria de transformação de janeiro a maio e a demanda doméstica colaborou com 3,06 pontos.

O desempenho da produção industrial nos cinco primeiros meses do ano está longe de ser homogênea. Setores com forte conteúdo importado e vendas internas ancoradas no crédito seguem liderando a expansão. As indústrias de material eletroeletrônico e equipamentos de comunicação produziram um volume 10% maior de janeiro a maio deste ano. Ao mesmo tempo, as vendas no varejo desses itens saltaram 43% no período, com alta de 44% na importação.

Paulo Saab, presidente da Eletros, conta que o desempenho vigoroso da linha marrom tem puxado para cima a produção do setor. As vendas de televisores e DVDs da Philips aumentaram 25% no bimestre abril/maio em relação a igual período em 2005, impulsionadas pela Copa do Mundo. Os dados de junho ainda não estão fechados, mas o crescimento deve ficar em 10%. "É um degrau, mas já era esperado", diz José Fuentes, vice-presidente da divisão de eletroeletrônicos de consumo.

Apesar do fim da Copa, Fuentes espera um segundo semestre bom, por conta do disponibilidade de crédito e da confiança do consumidor, além da renda injetada na economia pelo período eleitoral. A valorização do real por um período longo, diz ele, ajuda a explicar o desempenho do setor, pois reduz o custo dos insumos importados.

Pelos dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), a produção de alimentos industrializados cresceu 3% até maio, informa o coordenador do departamento de economia da entidade, Denis Ribeiro. Para ele, o aumento da massa salarial deve ajudar nos próximos meses o setor de alimentos, que depende muito do comportamento da renda. Os números da Abia mostram que as exportações de alimentos industrializados cresceram apenas 0,5% nos cinco primeiro meses do ano.