Título: Valorização patrimonial é ignorada pela oposição
Autor: Jungerfeld, Vanessa e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2006, Brasil, p. A9

A evolução patrimonial de 98,37% do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus quatro anos de mandato não deverá ser explorada pelo candidato tucano Geraldo Alckmin, que registrou crescimento de 24,85%. Tanto PSDB quanto PFL evitaram analisar o aumento do valor dos bens do petista e adiantaram que não pretendem usar a informação na campanha eleitoral.

No primeiro discurso oficial como candidato, Alckmin sequer usou a informação. Ontem, durante evento de campanha em Santa Catarina, quando o tucano foi questionado por jornalistas se achava que era caso para uma investigação, restringiu-se à declaração: "Não acho que cabe investigação", sem argumentações posteriores. Na mesma linha seguiu o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). "Já temos tanta coisa para usar", ironizou. Vice na chapa de Alckmin, o senador José Jorge (PFL-PE) disse apenas que cabe ao presidente se manifestar.

Tanto o ex-governador paulista quanto o presidente Lula se beneficiaram em seus postos no Executivo, sem despesas com alimentação, moradia e transportes. Essa foi a justificativa apresentada pelo presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), sobre a evolução patrimonial do presidente Lula durante o mandato. "Eu fico surpreso por esse assunto causar algum tipo de estupefação", afirmou. Em sua definição, o patrimônio de Lula é o de uma pessoa da classe média, com 60 anos, e que nos últimos quatro não teve gastos pessoais.

Em defesa de Lula, Berzoini lembrou que o presidente tem duas fontes de renda: o salário presidencial, de R$ 8.885,42, e sua aposentadoria, em torno de R$ 4,3 mil. "Só os rendimentos mensais (em fundos de investimentos) obtidos desde 1º de julho de 2002 já justificam essa evolução patrimonial". Ele também lembrou que, ao ser eleito presidente , Lula desfiliou-se oficialmente do partido, deixando de ter carteira assinada. Com isso, sacou um FGTS equivalente a aproximadamente 12 anos de trabalho formal, com salário semelhante ao de um deputado federal (R$ 8,7 mil atualmente).

Os valores declarados pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem estar distorcidos, alertou o cientista político e professor da Universidade de Brasília, David Fleischer. "Alckmin quer ser o 'Geraldinho', com contas enxutas, quer cultivar essa imagem. Se eu fosse de sua campanha não teria jogado os valores por baixo", opinou Fleischer, presidente da organização não-governamental Transparência, Consciência e Cidadania. "Em 1996 e 1998, Lula foi muito criticado porque 'morava de graça', sem pagar aluguel, no apartamento do advogado Roberto Teixeira. Antes, o partido pagava suas contas, agora como é o governo, ele pode ter sido mais rigoroso".

Não somente os valores patrimoniais dos candidatos podem apresentar superdimensionamento. O custo de R$ 279 milhões para a campanha eleitoral à Presidência, estimado pelos sete candidatos ao Palácio do Planalto, surpreendeu especialistas da área jurídica. Os altos valores previstos pelos partidos são opostos às campanhas modestas idealizadas pelos congressistas com a minirreforma eleitoral.

Os valores declarados pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral, na quarta-feira, geralmente extrapolam os gastos reais, reconheceu o ministro do TSE Gerardo Grossi. Entretanto, os altos valores foram recebidos com surpresa. "Confesso que tomei um susto muito grande quando vi a previsão de gastos das campanhas eleitorais. As coligações registraram suas candidaturas no Tribunal com limites de gastos que em alguns casos chegam a quase o triplo dos números previstos para as campanhas de 2002", afirmou o ministro.

O objetivo de tornar as campanhas mais baratas foi frustrado e não será alcançado tão cedo, analisou Grossi. "A previsão para essa eleição é quase o dobro da previsão feita para a de 2002, que foi de muita gastança". Alckmin registrou teto de campanha de R$ 85 milhões e Lula, de R$ 89 milhões.

O presidente em exercício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ercílio Bezerra, também estranhou a diferença de gastos previstos em relação às eleições de 2002. Segundo ele, ou os valores informados no passado estão errados, tendo ocorrido despesas não informadas à Justiça Eleitoral, ou os declarados agora são mais altos "exatamente para encobrir os gastos do passado feitos com caixa dois". "Como é que se pode conceber que, agora, esse teto para os gastos sofra essa majoração extraordinária em um período tão exíguo? Está claro que há algo de errado. Com isto, implicitamente, os grandes partidos praticamente reconhecem o tamanho do caixa dois usado na campanha passada", afirmou. (Com agências noticiosas)