Título: A instável transição do México para a democracia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2006, Opinião, p. A12

O México vive uma fase de transição instável entre a ditadura septuagenária de um partido único com eleições de fachada para uma democracia plena com partidos fortes. O processo começou em 2000, com a sagração de Vicente Fox, do Partido de Ação Nacional (PAN) para a presidência, mas vive um impasse, estampado na apertada e polêmica vitória de Felipe Calderón, candidato do PAN não alinhado às preferências da corrente de Fox, diante do esquerdista Andrés Manoel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), por uma diferença não muito superior a 200 mil votos. Obrador promete uma batalha judicial que ganhará o apoio de mobilização de massas, com resultados incertos.

Os mexicanos foram às urnas divididos sobre como reforçar a ruptura com o dirigismo autoritário do PRI - apoiando o populismo de Obrador ou dando mais uma chance às fórmulas reformistas de Fox. Mas um dos grandes avanços das eleições, eleito Calderón ou não, é a rápida e merecida agonia do mandarinato do Partido Revolucionário Institucional, o agrupamento político que governou o país de 1929 a 2000. Roberto Madrazo, o candidato do PRI, chegou em terceiro lugar com 22,27% dos votos, bem distante dos 35,85% de Calderón ou dos 35,32% de Obrador. Mais significativo da progressiva debandada do eleitorado foi a votação parlamentar do PRI, que ainda detém em suas mãos a maior parte das máquinas políticas estaduais. O contingente de seus deputados minguou de 40,8% para 28%, enquanto que a representação no Senado, de 45,3%, caiu para a 27%. O avanço dos demais partidos seguiram a votação presidencial. O PAN cresceu de 29,6% para 33,7% na Câmara, com pequena queda no Senado, de 36,7% para 33%. Já o PRD mais que dobrou sua presença no Senado - de 11,7% para 28,8% - e foi de 19,4% para 32,8% dos deputados.

Enquanto que as sombras do gangsterismo político vão desaparecendo do cenário político mexicano, sobram as agudas questões reais. Mais de 50 milhões de mexicanos vivem abaixo da linha da pobreza a pouca distância do país mais rico do mundo. Há não muito tempo, os mexicanos se dividiam entre aqueles que achavam que ter os EUA como vizinho era uma benção e os que acreditavam que era uma maldição. A simplificação deixa de lado dilemas complexos. A integração econômica com os EUA e o Canadá tornou-se orgânica com o Nafta e o verdadeiro tema da campanha eleitoral foi, até certo ponto, o de por que os benefícios da integração e do livre comércio não se traduziram em um aumento significativo do emprego e um crescimento vigoroso do país.

Uma parte das respostas está dada pelos resultados pífios obtidos por Fox. Dos governos do PRI emergiram grupos econômicos poderosos e monopólios que engessam a economia mexicana e têm conseguido se abrigar da competição. As reformas econômicas de Fox não foram em frente, bombardeadas no Congresso pelos beneficiários da situação, ligados ao PRI, ou pela esquerda, que julga um retrocesso e servilismo pró-americano mudar as condições do jogo empresarial e político no país. Calderón propôs levar à frente o que Fox não conseguiu realizar, enquanto que Obrador acredita que só um programa envolvendo fundos estatais, que eleve aposentadorias e salários, é capaz de criar um mercado interno forte que gere empregos, diminua a pobreza e empurre a economia para a frente. A percepção de que problemas estruturais de competitividade precisam ser encarados de frente é citada por Calderón, mas passa ao largo das preocupações de Obrador, cuja ênfase maior é nos investimentos de infra-estrutura e na renegociação de alguns pontos do Nafta.

O México tem inflação baixa, é considerado "grau de investimento", mas parou de crescer. A legião de mexicanos que cruza as fronteiras em busca de emprego - e a crescente truculência americana em busca de mecanismos para detê-los - demonstram que graves problemas do país não foram resolvidos com a integração. Os eleitores se dividiram entre duas receitas para o crescimento. A vitória de Calderón por margem mínima de votos significa que parte do eleitorado acredita que as promessas de Fox não foram testadas de verdade e merecem mais uma chance. A enorme votação de Obrador reflete um grande descontentamento social que, se não encontrar respostas de Calderón, deverá colocar o PRD no poder nas próximas eleições.