Título: Condições são precárias em todo o país
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2006, Especial, p. A14

Não era dia de rebelião, mas sobrou castigo para os jovens internos do Complexo Tatuapé, da Febem. Depois de três dias enclausurados, quando as trancas de uma das unidades foram abertas, não era para que os menores voltassem à rotina. Era dia de revista pela tropa de choque. Um por um, os internos tiraram as roupas, enquanto ouviam ameaças. Os funcionários entraram em grupos nas celas, espancando os adolescentes com pedaços de pau. No corredor, a ordem era para formar fila e, sentados com as cabeças baixas, apanharam. Em seguida, tomaram uma ducha fria, para minimizar os hematomas. Alguns ficaram com olhos roxos. Outros perderam dentes. E muitos foram transferidos para outras unidades ou voltaram para as "solitárias".

O dia de cão vivido por esses jovens, em março, começou com uma denúncia de fuga em massa e com o ataque feito por dois internos com "arma branca" ao diretor. No dia seguinte, em 15 de março, uma equipe formada pela OAB e pelo Conselho Federal de Psicologia visitou a unidade. A visita foi feita pelas duas entidades também em outros 20 Estados e no Distrito Federal, simultaneamente. As observações foram registradas num relatório e revelam o descaso no tratamento dos jovens deliqüentes em todo o país.

A tortura é a denúncia mais freqüente. Longe da Febem paulista, no Amazonas, "a disciplina é a base do cacetete". No Pará, cacetetes e barras de ferro também foram citados como forma de castigo. Das 30 unidades visitadas pelo país, em 17 foram ouvidas queixas de espancamento e observados hematomas, inchaços e lesões.

Além das agressões físicas, os menores relatam constrangimento moral e más condições de higiene. Os castigos são os mesmos dos adultos e muitos internos ficam em "solitárias" por semanas, só podendo sair uma vez por dia para o banho. Esse é o único momento em que podem usar o banheiro.

A falta de condições de higiene foi relatada em todas as 30 visitas. Refeições azedas, em pequena quantidade, chegam a ser "divididas" com baratas, como no Mato Grosso. Sarna e doenças respiratórias alastram-se com facilidade, principalmente pela superlotação e pela falta de medicamentos.

Em algumas unidades, como no Pará, na Bahia e em Roraima, a condição relatada é de um verdadeiro inferno: calor excessivo, pouca ventilação e falta de iluminação, agravados com a superlotação.

A preocupação com a educação e o ensino profissionalizante ficou na teoria. No Rio de Janeiro, no lugar de alunos, um formigueiro de três metros quadrados ocupava uma sala de aula com capacidade para 60 jovens. No Pará, as aulas não passam de 15 minutos. Das 30 unidades escolhidas, 17% não tinham nenhum tipo de escolarização e 50% estavam sem programas profissionalizantes.

Ociosidade e condições insalubres são relatadas como "barril de pólvora" para rebeliões. São Paulo confirma a tese com as 167 rebeliões nos últimos seis anos. As críticas à Febem não são recentes e as mais graves foram encaminhadas à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). No complexo do Tatuapé, a Corte determinou, em novembro de 2005, o cumprimento de oito medidas para garantir a vida dos menores. Em fevereiro deste ano, organizações de defesa dos direitos humanos, como OAB e o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional, registraram desrespeito às medidas.

Com as denúncias de tortura no Tatuapé, a Febem afastou diretores das unidades por determinação da Justiça. Sete dos 18 prédios foram desativados, sendo dois dos visitados pelas entidades, mas 12 prédios ainda funcionam, abrigando 1,2 mil adolescentes. Um deles é a Penitenciária Feminina, para onde menores foram transferidos depois de duas rebeliões em março. "Nosso trabalho está voltado para a desativação do complexo. O governo reconhece sua inadequação", justifica a presidente da Febem, Berenice Giannella. "É leviano esse relatório. Se quiserem fazer um levantamento real, têm de visitar todas unidades. Se conhecerem os do interior, vão achar que São Paulo é um dos melhores do mundo no tratamento dos menores", afirma. (CA)