Título: BNDES quer reativar trem de passageiros
Autor: Santos, Chico e Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2006, Brasil, p. A4

Está pronto para deixar o papel, no prazo de um ano, um projeto que pretende ressuscitar o transporte ferroviário de passageiros no Brasil. O projeto, gestado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que agora será comandado pelo Ministério dos Transportes, prevê que sejam licitados inicialmente 13 ou 14 trechos de ramais hoje desativados ou subutilizados pelas concessionárias de transporte ferroviário de cargas, segmento que, na sua maioria, não é simpático à idéia, segundo o Valor apurou.

"Do ponto de vista técnico, é perfeitamente viável colocar em licitação em um ano", disse João Scharinger, chefe do Departamento de Desenvolvimento Urbano do BNDES, que vem coordenando os estudos até agora. Ele admite que o momento de eleições e de transição, mesmo que o atual governo seja reeleito, pode gerar algum atraso na preparação dos leilões. Os estudos mostraram que para implantar 14 trechos serão necessários investimentos de US$ 796 milhões (R$ 1,7 bilhão), sendo US$ 224 milhões em material rodante.

Pelo projeto, a exploração das linhas será feita pelo setor privado, remunerado pela tarifa de transporte. Em alguns casos, será necessário o Estado entrar com uma complementação, garantindo a viabilidade econômica. Exemplo típico do segundo caso é o trecho Fortaleza-Sobral, no Ceará. Estratégico para o desenvolvimento regional, ele tem densidade de passageiros nas pontas, mas não no trajeto, exigindo que o Estado suplemente o transporte, como ocorre na Europa. No outro extremo, o trecho Londrina-Maringá (PR), revelou uma rentabilidade de 47%, mesmo com a duplicação de uma pequena parte dos trilhos para não atrapalhar o transporte de cargas.

O BNDES acalenta o projeto há alguns anos e já tem até o estudo de viabilidade técnica e econômica, elaborado pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). A novidade é que o governo federal e parte do empresariado aderiram à idéia. Acaba de ser assinado convênio entre Ministério dos Transportes, Ministério das Cidades, o BNDES, Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) e Sindicato Interestadual da Indústria de Equipamentos e Materiais Ferroviários e Rodoviários (Simefre).

Esse convênio, que coloca o Ministério dos Transportes à frente do projeto, permitirá que seja feita uma sintonia fina em 26 trechos selecionados, de 64 estudados em todo o país, para deles tirar os primeiros 13 ou 14 a serem concedidos ao setor privado. São trechos de, no máximo, 200 quilômetros de extensão, com exceção de dois, ligando cidades de médio porte entre si ou a capitais, em áreas densamente povoadas e de baixa utilização no transporte de carga.

Trechos potencialmente promissores, como Rio-Juiz de Fora, não entraram por causa do tráfego intenso de cargueiros. Scharinger disse também que houve a preocupação de evitar concorrência predatória com o transporte rodoviário de passageiros que, dentro das cidades, será o alimentador das ferrovias.

Para evitar que custos excessivos pudessem matar o projeto no nascedouro, foi decidido que seriam usadas somente linhas já existentes, ainda que depredadas em alguns casos. Não serão feitas correções de traçado nem mudanças de bitolas, apenas obras de renovação e modernização dos trechos para garantir segurança à circulação dos trens.

Os trens serão inspirados no modelo regional europeu, geralmente com dois carros por composição, adaptado às condições brasileiras. O presidente da Abifer, Luis Cesário Amaro da Silveira, disse que os trens brasileiros não devem ter a mesma velocidade dos europeus e que serão necessárias adaptações técnicas em relação ao projeto original das linhas. "Temos interesse e a indústria tem capacidade para fazer os equipamentos", disse Silveira. "Esperamos que não haja dificuldades com as concessionárias (de cargas)", acrescentou. O BNDES vai financiar a produção e a compra dos equipamentos.

Nenhuma das concessionárias de cargas procuradas atendeu ao pedido de entrevista do jornal. A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), órgão regulador do setor, também não quis se pronunciar. Segundo especialistas, a oposição das concessionárias, que querem preservar a exclusividade das linhas, mesmo que haja ociosidade, e de setores do dentro do governo são os maiores obstáculos ao projeto.

O problema com as concessionárias não é trivial. Como os contratos de concessão não as obriga a fazer transporte regular e intensivo de passageiros, o governo terá que negociar com elas adaptações que permitam licitar novas concessões, para passageiros, em áreas já concedidas para cargas.