Título: Alckmin reduz evasão mas eleva reprovação nas escolas paulistas
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2006, Especial, p. A12

Colocada como vitrine da administração do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo, o modelo de educação no Estado incluiu mais crianças na rede escolar, mas tropeçou na qualidade do ensino. Ao travar no começo de junho uma guerra retórica de cifras e estatísticas na área com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Alckmin destacou o fato de 98,5% das crianças em idade de 7 a 14 anos freqüentarem as salas de aula, acima do índice nacional (97%), mas omitiu o aumento das taxas de reprovação no Estado.

Os indicadores de desempenho escolar no governo Alckmin mostram uma situação paradoxal: a evasão escolar no Estado desabou. No ensino fundamental, passou de 4,7% para 1,8% dos alunos entre 2000 e 2005. Simultaneamente, a reprovação subiu no ensino fundamental ( de 4,3% para 6,5%) e sobretudo no ensino médio ( de 7,2% para 15,6%).

Os dados referem-se apenas à rede pública estadual, que está sendo reduzida no ensino fundamental, em função do programa de municipalização. Ainda assim, 50,2 % dos estudantes de 7 a 14 anos em São Paulo estudam em escolas estaduais. Considerando os números globais, que incluem os alunos das escolas privadas e municipais, os números sobre evasão são menos impressionantes: entre 2000 e 2003, o índice oscilou de 3,6% para 3,5% no ensino fundamental. Ainda assim, São Paulo está muito adiante da média nacional, de 11,2% no ensino fundamental da oitava série e de 4,4% da quarta série.

A queda da evasão é festejada pelos tucanos paulistas como um sinal do sucesso da política de progressão continuada, que substituiu a avaliação anual pela avaliação por ciclos de quatro anos (da primeira à quarta série e da quinta à oitava série). A tese de que a reprovação estimula o aluno a abandonar a escola foi comprovada.

"O dado sobre evasão é mais significativo do que tudo. E não diz respeito apenas à progressão continuada, mas indica qualidade no ensino", disse Gabriel Chalita, secretário da Educação durante todo o governo Alckmin, para quem "a reprovação no ensino médio, nestes índices, não é preocupante". Segundo ele, a explicação para o crescimento do índice não deve ser buscada na má qualidade do ensino, mas em fatores sociais. "Os jovens de 14 a 17 anos estão no mercado de trabalho e são as principais vítimas da violência, que os leva a faltar muito às aulas".

A tranqüilidade de Chalitaquanto a esse índice não é unânime entre todos os especialistas da área. "Há evidências de deficiência na aprendizagem", afirma a diretora da Faculdade de Educação da USP, Sonia Penin, que trabalhou na equipe que implantou o sistema de progressão continuada, no primeiro mandato do governo Covas. A educadora avalia que o avanço dos programas de escolas de tempo integral poderá atenuar as deficiências, ao prorrogar a permanência do aluno na sala de aula.

Professores da rede estadual apontam outras razões para a perda de qualidade: uma delas é o alto índice de faltas dos alunos. São toleradas cinqüenta faltas ao longo do ano letivo e o fim das reprovações tirou um fator de repressão ao absenteísmo. As deficiências de material também prejudicam. Não são raros os casos de professores terem que custear cópias de textos e a escassez de pessoal especializado bloqueia o funcionamento de bibliotecas.

A melhoria das instalações da atual rede é lenta. Alckmin deixou o cargo com 76 escolas estaduais ainda funcionando no chamado "padrão Nakamura", com estrutura física formada por aço e aglomerado de madeira, geralmente localizadas em áreas invadidas ou de mananciais. "O fechamento de escolas em regiões centrais feito no governo Covas superlotou as salas", disse o presidente da Apeoesp, Carlos Ramiro, para quem a lotação atual, de 35 alunos, compromete o ensino. "O padrão recomendado é de 25 alunos".

Um indicador da deficiência de qualidade nas escolas é dado pelo resultado da Prova Brasil deste ano, que avalia os alunos do ensino fundamental. Na rede estadual, a nota média dos alunos paulistas da oitava série na prova de português foi 227,9 e na de matemática, 240,85. São Paulo está em quinto lugar em português e oitavo em matemática, entre os 27 Estados.

Sem impacto imediato nas estatísticas, o governo Alckmin investiu na capacitação dos professores, através do programa "Teia do Saber", que fornece bolsas para cursos universitários de curta duração. Em 2000, 47,4% dos docentes da rede estadual da primeira à quarta série do ensino fundamental tinham formação superior completa. Em 2005, esse número pulou para 70,6%.

O programa das escolas em tempo integral é lembrado por Alckmin como uma de suas realizações. Mas o total de escolas que já funcionam no sistema representa 10% das 5.105 unidades que oferecem ensino fundamental. A novidade só começou este ano e seu lançamento foi um dos últimos atos do governo Alckmin na área.

Idealizada inicialmente por Paulo Freire quando ocupou a Secretaria Municipal da Educação em São Paulo, na gestão petista de Luiza Erundina, a progressão continuada é uma política consensual entre PT e PSDB. Discute-se apenas a forma como foi feito.

"Do modo como se deu, o sistema apenas melhora o fluxo escolar, reduzindo a evasão e ao mesmo tempo abrindo vagas para as novas classes. Não há mecanismos disciplinadores", disse a ex-deputada estadual Bia Pardi, coordenadora do programa do PT para a educação. "A progressão estancou uma calamidade pública, que eram as taxas de evasão acima de 10%. É preciso melhorar o sistema sem se voltar à situação anterior", disse Sonia Penin.

Em toda a administração Alckmin, a gestão na Educação é onde menos se percebe traços divisórios em relação ao que fez o governo anterior, de Mário Covas, quando foi introduzida a política de municipalização do ensino, de progressão continuada e de capacitação de professores. No governo Alckmin, sob a condução de Chalita, a principal inovação implementada foi o programa "Escola da Família", que mantêm as escolas abertas nos finais de semana, para atividades profissionalizantes e sociais.

Mesmo a política de municipalização avançou com lentidão. "Mesmo os municípios ricos investiram pouco, porque não há uma diferenciação positiva. O repasse é feito por número de alunos e os municípios fazem então apenas o mínimo necessário, só assumindo o ciclo da primeira à quarta série do ensino fundamental", comenta Sonia Penin. O perfil da educação em São Paulo destoa por completo do restante do país. Enquanto os estudantes em escolas municipais paulistas não passam de 36,2% do total do Estado, em nível nacional este percentual sobe para 53,6%.

A diretriz fundamental nos 12 anos de administração tucana em São Paulo foi a de tentar melhorar a eficiência do sistema mantendo o nível de gastos. O Estado tem mantido dentro da faixa de 30% a vinculação da arrecadação tributária com a educação desde o início do governo Alckmin.