Título: Microsoft aposta no "domador" Ballmer para moldar seu futuro
Autor: Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2006, Empresas, p. B2

Quando a porta de uma das salas do imenso e novíssimo centro de convenções de Boston se abre, é o próprio Steve Ballmer, o executivo-chefe da Microsoft, quem está à entrada para dar as boas-vindas. Vestido com uma camisa azul e uma calça bege simples, ele não corresponde ao estereótipo que poderia ser atribuído a um dos homens mais ricos do mundo, em uma lista na qual aparece em 24º lugar, com uma fortuna estimada em mais de US$ 13 bilhões. Não é só isso que sua aparência e disposição contrariam. Ballmer também não parece intimidado com o futuro da Microsoft, apesar dos desafios que a companhia passou a enfrentar nos últimos tempos.

Os percalços não são poucos. A Microsoft recentemente anunciou um atraso - mais um deles - nos lançamentos do sistema operacional Windows Vista e do pacote de programas Office, suas duas principais fontes de receita. Em vez do fim do ano, os produtos agora só virão no começo de 2007 e isso se a empresa considerá-los prontos para o lançamento. Em outras áreas estratégicas, a Microsoft enfrenta uma concorrência cada vez mais agressiva, como o Google e o Yahoo nos serviços via internet, a Sony nos videogames e a Apple na música digital. Em muitos casos, são os rivais que estão levando a melhor. Como se não bastasse tudo isso, o co-fundador Bill Gates - o maior ícone da companhia - anunciou há algumas semanas que vai deixar definitivamente a empresa, da qual é hoje presidente do conselho, em julho de 2008.

Ballmer não menospreza as dificuldades, mas diante das 10 mil pessoas que lotaram o centro de convenções em Boston, para ouvi-lo na abertura de uma conferência anual para parceiros de negócios, ele prometeu que nunca mais vai permitir que se abra uma distância tão grande entre o lançamento de duas versões do Windows - a última, o Windows XP, saiu em 2001 - e conclamou os executivos presentes a apoiarem a companhia em suas investidas em novos segmentos, como softwares para comunicação, segurança e programas dirigidos a pequenas e médias empresas. O público, o mesmo que se decepcionou com o atraso, aplaudiu efusivamente.

Da mesma forma que não dá mostras de temer seu público, mesmo quando este tem razões para estar irritado, Ballmer afirma que a saída de Gates não é algo que o assusta. "Eu não posso dizer que foi uma surpresa", disse ele numa entrevista exclusiva ao Valor.

O assunto já era tema de conversa entre os dois há algum tempo. Ballmer reconhece que se trata de uma "grande mudança" que aumenta em muito sua responsabilidade, mas diz estar "animado" com a nova fase, da mesma forma como Gates terá a chance de passar 100% do seu tempo cuidando da fundação que leva seu nome e o da mulher, Melinda.

Mesmo os problemas com a União Européia, que pode multar a companhia nesta semana, não tira seu sono. A Microsoft enviou uma "tonelada de documentos" e está disposta a cooperar com as investigações, diz Ballmer. Se a multa sair, existe a possibilidade de apelar, um expediente do qual a empresa poderá lançar mão. Cooperar e apelar será a estratégia.

Quanto à saída de Gates, a maneira como a Microsoft funciona vai mudar e um grupo pequeno de executivos terá de assumir responsabilidades maiores, afirma Ballmer. É uma estrutura de comando que a Microsoft já vem montando desde o ano passado. Pela primeira vez em sua história, a Microsoft separou seu time principal em unidades diferentes, cada uma delas com seu próprio presidente. Kevin Johnson ficou com a infra-estrutura, Jeff Raikes com o escritório digital e Robbie Bach com o entretenimento. As atribuições de Gates foram divididas entre dois executivos - Craig Mundie e Ray Ozzie. Ballmer está acima de todos eles.

É sob esse desenho que a Microsoft pretende enfrentar o novo mundo da convergência digital, em que TV, computador, telefone e aparelho de som, entre outros dispositivos, estão se fundindo.

Há duas maneiras de enxergar os próximos passos da Microsoft nesse emaranhado, diz Ballmer, enquanto rabisca um papel. Na primeira delas, aparecem três blocos divididos por tipos de produtos. No de negócios empresariais, os competidores são grupos como IBM, SAP e Cisco. Em outra categoria, a de entretenimento, ela enfrenta Apple e Sony. Em ambas, a Microsoft têm armas fortes para concorrer, afirma Ballmer. Resta uma terceira, a de informações pessoais, na qual os rivais são Google, Yahoo, o sistema de código aberto Linux e, em certa medida, a Nokia. Para este segmento, as armas estão por vir: são justamente o Windows Vista e o Office 2007, além de produtos complementares.

A outra visão de Ballmer está dividida em modelos de negócio. Há o negócio tradicional de vender produtos comerciais, compartilhado por IBM, Apple e Sony e no qual a Microsoft também é mestra. O do Linux, que prevê dar o produto de graça e cobrar pelos serviços, não pode ser replicado, mas o executivo não se mostra apreensivo quanto a isso. Ele diz que há três ou quatro anos profetizavam que o Linux asfixiaria a Microsoft, mas a empresa mostrou inovação suficiente para competir com os programas de código aberto. Sobra, então, o modelo do software remunerado pela publicidade on-line, uma área desbravada pelo Google. Mas diz Ballmer: "Somos o terceiro maior vendedor de publicidade na web do mundo. Não somos o primeiro, nem o segundo, mas podemos aprender a adaptar o modelo e competir."

É nesse ponto, porém, que a Microsoft se distancia de outras grandes companhias do setor. A IBM concentrou-se nos negócios para empresas, vendendo a divisão de PCs para a Lenovo; a Hewlett-Packard abandonou uma versão do iPod depois da queda da ex-toda-poderosa Carly Fiorina; e a Intel vendeu sua divisão de chips para celulares, voltando-se para os PCs. Atuar em tantas frentes ao mesmo tempo não seria um passo longo demais, mesmo para a longilínea Microsoft?

"Bem, vamos ver. Eu acho que não", responde Ballmer. "Tudo o que me dizem é que é demais, é demais, é demais...", diz o executivo. Mas a força da Microsoft, ele afirma, baseia-se no fato de que, apesar da busca pela diversidade, há um único tronco tecnológico, que pode ser aplicado a diferentes tipos de consumidor. "O (console de video game) Xbox usa os mesmos princípios tecnológicos do Windows", exemplifica. O sucesso, segundo essa estratégia, viria à medida que a companhia mostrar-se capaz de cobrir novas áreas sem perder a raiz. "Existe uma expressão em inglês que é o pônei de um truque só. Não é nosso caso", brinca Ballmer. "Sabemos fazer muitos truques."

Por ora, é ele quem deve continuar no cargo de domador. Com a saída de Gates, começaram nos Estados Unidos os rumores de que Ballmer também poderia se afastar. Ele nega. Diz que faz doações particulares junto com sua mulher, mas não tem uma fundação, nem planos de fazê-lo. "Vou continuar na Microsoft pelo menos até meus filhos entrarem na universidade", afirma. Em que fase estão as crianças, agora? "No ciclo básico", brinca Ballmer, com uma de suas gargalhadas características.