Título: Redução do crescimento chinês é um mal necessário
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2012, Opinião, p. A14

Perto da transmissão de poder na China, o premiê Wen Jiabao disse ontem que seu país perseguirá uma taxa mais modesta de crescimento, de 7,5% em 2012, a menor meta oficial de expansão desde 2004. Os últimos sinais vindos da cúpula comunista chinesa indicam o reconhecimento de uma guinada de rumos na economia, e o discurso de Jiabao na abertura dos trabalhos do Legislativo é uma plataforma dessa mudança, que busca corrigir os desequilíbrios mais evidentes do modelo de crescimento acelerado.

A meta menor de expansão significa pouco em si. Primeiro, o grande problema chinês na última década nunca foi tanto o de impedir que o crescimento declinasse abaixo de 8%, e sim o de frear - com sucesso mais que relativo - um processo de expansão febril. A meta vigente de 8% sempre foi ultrapassada, e a média chinesa dos últimos anos encosta nos 10%. Segundo, os líderes chineses podem estar sendo agora mais realistas quanto à capacidade de o país manter o ritmo do passado quando o mundo desenvolvido está parte em recessão (Europa), parte em recuperação cercada de incertezas (EUA) e parte estagnada (Japão). EUA e União Europeia são o destino de 50% das exportações chinesas, o que explica a perda de fôlego das vendas chinesas e de seu saldo comercial. E das projeções correntes nos mercados, a dos líderes chineses está entre as menores. O Fundo Monetário Internacional, por exemplo, prevê uma expansão de 8,25% do PIB do país.

O sinal dado por Jiabao, porém, tem mais importância para o futuro. A intensidade de desaceleração da China pode ser graduada com alguma segurança, dado o controle que a ditadura partidária tem sobre a economia. O país dispõe de recursos para uma política contracíclica bem-sucedida no curto prazo, o que não significa que, apesar da aura, a China seja invulnerável.

Min Zhu, ex-membro do Banco do Povo da China (BC) indicado para ocupar um cargo criado para mostrar que o FMI está aberto à demanda do mundo emergente - ele é vice-diretor gerente -, apontou que a China tem laços financeiros mínimos com o resto do mundo, devido ao controle de capitais, mas fortes laços comerciais. Ele lembrou que quando o crescimento global caiu 6,5 pontos percentuais depois da quebra do Lehman Brothers, o crescimento da China reduziu-se em 5 pontos percentuais, mesmo após um pacote de estímulos fiscais e creditícios. Na prática, foi o maior pacote de estímulos do mundo, algo como US$ 585 bilhões. Se a crise europeia se agravar, "a expansão chinesa pode cair mais 4 pontos percentuais em relação ao cenário-base (de 8,25%) na ausência de uma resposta de política econômica".

A China, segundo Zhu, ainda pode manter um crescimento de 8% com muito menos esforço, com estímulos fiscais da ordem de 3% do PIB (US$ 150 bilhões), capaz de conter a desaceleração em 1 ponto percentual por intermédio de transferência de renda para programas sociais. Esse pacote também ajudaria a apoiar vital rebalanceamento da economia em direção ao consumo privado. Apesar de possível, a política de estímulos fiscais é limitada pelos efeitos do pacote anterior, especialmente sobre os balanços dos bancos estatais, entupidos de créditos de qualidade duvidosa e que seriam canal pouco apropriado para serem usados com vitalidade em uma nova ofensiva contracíclica.

Por isso, um dos recados dados por Jiabao é o de que o governo não repetirá sua política de crescimento acelerado a qualquer custo e que não dará sinal verde para uma forte expansão do crédito novamente. O crescimento invejável da China pressionou a inflação, que foi contida na casa dos 5%, embora o aumento de preço dos alimentos esteja em dois dígitos. A inflação atingiu um "ponto de inflexão", segundo Zhu, "onde aumento do salário criará periodicamente pressões altistas". Além disso, para ele, uma taxa de investimento de 47,8% do PIB é excessiva e cria capacidade excedente de produção. A conclusão é a tão falada mudança do modelo voltado para exportação para outro, que privilegie o consumo doméstico.

Jiabao deu indicações de que esse será o caminho, com aumento para salários mais baixos, relaxamento das regras que impedem a mobilidade do campo para a cidade, investimento em habitação popular e novos programas de aposentadoria, saúde e educação. Os líderes chineses já esboçaram isso antes, mas agora é possível que ponham esse programa em prática. A crise os impele a mudar de rumo, em uma guinada que pode ser salutar também para a economia global.