Título: Refém de uma ginástica numérica
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2010, Política, p. 3

Depois de iniciar a corrida ao Planalto com perspectiva de triunfar com tranquilidade, campanha de Serra colecionou equívocos e agora precisa reverter 5 milhões de votos, com ajuda de Marina, para sonhar com uma prorrogação

O tucano José Serra entrou na campanha eleitoral com uma certeza: era preciso evitar o segundo turno contra Dilma Rousseff (PT), quando a presença do presidente Lula no pleito pesaria o jogo em favor da petista. Amparado em pesquisas que o apontavam com mais de 40% das intenções de voto, o ex-governador de São Paulo e seus aliados acreditavam que seria possível vencer a ex-ministra da Casa Civil a partir do enfrentamento em debates e, principalmente, da comparação de currículos. A aposta era na inexperiência da adversária. Três meses depois do início da campanha, praticamente nenhum plano traçado por Serra saiu como a encomenda.

Hoje, o tucano comparecerá às urnas no Alto de Pinheiros, em São Paulo, com a última aposta focada no mesmo segundo turno que outrora acreditava poder evitar. A esperança de prorrogar a decisão, no entanto, não se sustenta sobre a sua própria performance. Estagnado nas pesquisas, Serra aposta as fichas no desempenho de Marina Silva (PV) para conseguir levar a decisão para o segundo turno. Tudo isso com a calculadora apontando uma equação truncada.

Para ter direito à prorrogação, o tucano tem de torcer para que Dilma perca pelo menos 5% dos índices de intenção de voto projetados pelas pesquisas, o que representa pouco mais de 5 milhões de votantes. A fuga precisa ter como destino alternativas válidas, ou seja, outros candidatos. O endereço mais provável, segundo análise dos tucanos, é a candidatura verde. Uma vez no segundo turno, o mesmo tempo de tevê da candidata petista e o gás extra na arrecadação de campanha são apostas para modificar a trajetória da segunda tentativa feita por Serra de chegar ao Palácio do Planalto.

Para os tucanos, o caminho que levou a campanha presidencial do partido à ameaça de derrota já no primeiro turno teve uma série de tropeços, cometidos à medida que os primeiros planos começaram a ser frustrados. No início da corrida, noves fora a alta popularidade do presidente Lula que sempre preocupou os estrategistas da legenda, Serra buscou reforçar vários pontos considerados fracos pelos aliados. Entregou o marketing da campanha a Luiz Gonzalez e garantiu que não interferiria no trabalho do publicitário e ainda reservaria dias inteiros para as gravações. Para afastar a imagem de centralizador, formou até um conselho entre os presidentes dos partidos da coligação, além de Aécio Neves e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Com o passar dos dias e o crescimento de Dilma nas pesquisas, o conselho acabou abandonado. Pior: na hora de escolher o vice, os tucanos entraram em uma espiral autista e afastaram nomes que não fossem do PSDB. Chegaram a anunciar a escolha do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) como companheiro de chapa de Serra. A ação serviu para afastar de vez os aliados DEM, PPS e PTB. Com a ameaça iminente de naufrágio da aliança, a disputa interna acabou refreada pela indicação de Índio da Costa (DEM-RJ) decisão que pode custar a saída de Álvaro da legenda. A presença do deputado, um dos relatores do projeto da Ficha Limpa, evitou o desembarque integral dos demistas da campanha, mas não cicatrizou a ferida aberta pelo episódio.

Frustração Em vez do otimismo expresso pelos planos de vitória no primeiro turno, a aposta passou a ser a de que Serra conseguiria chegar ao início da propaganda eleitoral à frente da petista, quando ela não poderia disfarçar a inexperiência. Nova frustração. Quando vieram os primeiros vídeos produzidos por Gonzalez, a vantagem entre os dois, em favor de Dilma, já escapava da margem de erro das pesquisas.

A subida, na verdade, coincidiu com o início da cobertura ostensiva do pleito pelas redes de televisão. Ao passo em que Dilma aparecia em cadeia nacional ao lado de Lula, mesmo que por poucos segundos, a petista ganhava terreno expressivo. Talvez tenhamos subdimensionado o poder do governo em construir a imagem da Dilma. Não se desconstrói a identidade de uma pessoa durante uma campanha e achávamos que conseguiríamos isso facilmente. É um processo longo, defende o deputado federal Gustavo Fruet (PSDB-PR).

Na conta da queda nas pesquisas, além da transferência de popularidade e votos de Lula para Dilma, os tucanos listam vários fatores. Não tem um erro capital. A questão do vice, a confusão com o Álvaro, a pressão pela desistência do Aécio Neves, a força regional dos adversários, muito maior do que a nossa, tudo isso contribuiu para que nossos planos fossem frustrados, afirma Fruet. Com Serra estacionado nos últimos levantamentos, a aposta mais confiável dos tucanos passou a ser a subida de Marina. A conta, no entanto, é amarga. Coisa de 5 milhões de votos. Ou um estado do porte do Ceará.

A questão do vice, a confusão com o Álvaro, a pressão pela desistência do Aécio, tudo isso contribuiu para que nossos planos fossem frustrados

Gustavo Fruet, deputado federal (PSDB-PR)

Perfil

José Serra

Nascimento: 19 de março de 1942, em São Paulo (SP) Estado civil: Casado Formação: Doutor em economia pela Cornell University

TRAJETÓRIA 1963 Eleito presidente da União Nacional dos Estudantes 1964-1978 Exilado, passa por Bolívia, França, Tchecoslováquia, Chile e Estados Unidos 1983 Nomeado secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo 1986 Elege-se deputado federal constituinte com 160.868 votos 1990 Reeleição para a Câmara dos Deputados com 340 mil votos 1994 É eleito senador por São Paulo 1995-1996 Nomeado ministro do Planejamento do governo de Fernando Henrique Cardoso 1998-2002 Ministro da Saúde do segundo mandato de FHC 2002 Deixa o ministério para ser candidato do PSDB à Presidência da República. Termina o pleito em segundo lugar com 33,3 milhões de votos, derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno 2004 É eleito prefeito de São Paulo, com 3,3 milhões de votos 2006 Eleito governador paulista, com 12 milhões de votos

AS ARMAS Pontos fortes

Experiência administrativa e política

Poder de influência sobre o partido

Cotação com industriais e empresários de grande porte

Conhecimento da máquina do governo federal

Onda, só verde-amarela

Ullisses Campbell

São Paulo No último dia de campanha, José Serra (PSDB) fez uma caminhada com cadeirantes na Avenida Paulista. Em seguida, apelou aos eleitores que o acompanhavam que o ajudassem a garantir o segundo turno das eleições. Referindo-se aos partidos de Dilma Rousseff (PT) e de Marina Silva (PV), o tucano disse que o Brasil não tem cor vermelha, nem verde. É multicolorido. Não tem dono. Na verdade, a onda dessa eleição é verde-amarela. É do nosso povo que quer construir um país mais justo e mais generoso e que quer um governo honesto e trabalhador, ressaltou.

Serra disse ainda que o PT governa para o partido e não para o país. O povo quer um presidente da República que seja de todos, ressaltou, afirmou. No fim da caminhada, Serra encontrou-se casualmente com o presidente do PV paulista, Carlos Galeão Camacho, que declarou apoio ao tucano em um eventual segundo turno. A partir de segunda-feira estaremos no mesmo barco, disse Galeão.

O tucano, que é notívago, admitiu estar sem dormir há dois dias por conta das eleições e que provavelmente não conseguiria dormir de ontem para hoje. Tenho os nervos de aço e aço não se decompõe, é inoxidável, brincou. De São Paulo, Serra seguiu para Diadema, reduto petista.