Título: STF vai definir titularidade dos serviços de saneamento
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2006, Brasil, p. A4

Na discussão que opunha Estados a municípios, o governo federal e o Congresso encontraram uma solução salomônica para destravar as negociações que impediam a criação de um marco regulatório para o saneamento básico: a questão da titularidade dos serviços ficou nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF).

Assim, após sete horas de reuniões no Palácio do Planalto em que cederam tanto o Executivo quanto os parlamentares envolvidos nas discussões, a comissão parlamentar mista que analisava um projeto de lei para o setor aprovou ontem, por unanimidade, o relatório elaborado pelo deputado Júlio Lopes (PP-RJ). Agora, o projeto, que define um marco regulatório para a área de saneamento, irá à votação em dois turnos na Câmara e no Senado.

O impasse só foi superado após uma reunião na segunda-feira, na Casa Civil, que durou das 17 horas à meia-noite. "Foram removidos todos os obstáculos que ensejavam dificuldades", assegurou o ministro das Cidades, Márcio Fortes. O presidente da comissão, César Borges (PFL-BA), disse que o governo teve "muito boa vontade" nas negociações. O senador acredita que os plenários da Câmara e do Senado aprovarão o texto final até o fim do ano. A mesa diretora do Congresso vai estabelecer por onde começará a tramitação. O governo não espera novas mudanças agora. "O tema já foi tratado, discutido e esclarecido", disse Fortes.

De acordo com o secretário de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho, o projeto cria uma "espinha dorsal" para definir investimentos e contratos no setor. A questão da titularidade dos serviços, segundo ele, é constitucional e não pode ser estabelecida em um projeto de lei. "Cabe à União apenas definir diretrizes, mas isso (o projeto) vai incentivar o Supremo a dirimir as dúvidas", afirmou ele.

Oliveira lembrou que existe uma tendência no STF de confirmar a titularidade dos serviços de saneamento aos municípios e ressaltou que o desenho final do projeto leva isso em conta. As negociações puseram fim, no entanto, em uma série de impasses que colocavam dúvidas sobre a criação do marco regulatório.

Um desses pontos envolve a regulação dos serviços. Ficou definido que os municípios deverão delegar essa tarefa a agências reguladoras estaduais (ou municipais), mas sempre com fiscalização independente. "A partir do contrato, o serviço não pode mais ser auto-regulado", disse Oliveira.

Um ponto importante do projeto é aquele que estabelece a necessidade de contratos entre o poder concedente e a prestadora de serviços, partindo do pressuposto que o STF confirmará a titularidade aos municípios. Eles terão três opções: criar as suas próprias companhias municipais de saneamento, fazer um contrato de "gestão associada" com a empresa estadual (o que dispensará licitação) ou abrir uma licitação para atrair investidores (a própria companhia estadual poderá participar da concorrência, nessa alternativa).

O projeto prevê ainda a possibilidade de indenização, para os contratos de natureza precária ou no caso dos serviços prestados sem contrato, dos municípios às companhias estaduais que montaram redes de saneamento locais. As partes terão um prazo até 2010 para adaptar-se à lei. Nesse período, deverão se adequar ao novo regime de contratação e podem fazer um levantamento dos bens, conferindo a existência de bens ainda não amortizados.

Tudo leva a crer, segundo o secretário Abelardo, que o estabelecimento de regras claras permitirá fomentará os investimentos privados que estão represados e vai melhorar o acesso ao saneamento básico no país. Ele informou que, de janeiro de 2003 até 15 de junho deste ano, o governo investiu R$ 11 bilhões nesse setor. Parece muito, mas fica aquém da meta colocada como necessária pelo próprio governo. Isso equivale a 0,45% do PIB em investimentos em saneamento. No ano passado, os recursos aplicados foram de 0,26% do PIB.

De acordo com Newton Azevedo, vice-presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib), o projeto aprovado atende aos anseios dos empresários. "É o primeiro sinal para retomada do investimento privado no setor", afirmou.

Ele defendeu que esse passo só foi possível porque as associações empresariais do setor se uniram. "Queríamos passar o projeto pelo menos pela comissão, mas torço para que ele possa ser aprovado ainda nesse governo", disse. Sobre a questão da titularidade, ele acredita que era um falso dilema, pois ela é do município, mas nas áreas de interesse comum, como as regiões metropolitanas, é possível fazer convênio com os Estados. "Essa é uma questão que não pode ser definida por uma regulação federal, pois cada Estado tem suas particularidades."

O deputado Júlio Lopes explica que um dos pontos mais polêmicos discutido com o governo foi o direito de retomada do serviço pelo município. "O projeto aprovado permite que a administração municipal retome a prestação do serviço, nos casos em que ele está a cargo do Estado ou de outra companhia qualquer, desde que ela tenha condições econômicas para fazê-lo", disse. Outro ponto defendido pelo governo e que entrou no projeto foi o de manter autorizada a coleta de lixos recicláveis por catadores autônomos em locais em que há coleta seletiva oficial.