Título: De coadjuvante a fiel da balança eleitoral
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2010, Política, p. 4

Marina Silva superou os descrentes, adotou postura incisiva na reta final e ganhou status de responsável por definir se as eleições terão segundo turno

Foi, no mínimo, um ato de coragem. Um tiro no escuro, um salto no precipício para os mais céticos. Como já fez outras vezes, Marina Silva (PV) ignorou os descrentes. Decidiu ser candidata à Presidência da República sabendo que a reeleição ao Senado seria certa. Sem apoio de um único partido, com pouquíssimo tempo na propaganda eleitoral no rádio e na TV. Começou mal, ficou estacionada numa campanha morna e só nas últimas três semanas obteve a confirmação do êxito de sua decisão.

Marina é, há 20 dias, o fiel da balança da disputa presidencial. Se as urnas apontarem hoje um segundo turno, a responsável será a agressiva pelo menos nas últimas semanas candidata do PV. Mesmo sem um cargo garantido pelo voto, Marina sai das urnas mais forte do que antes de se atirar no desconhecido.

A cada fala disparada contra José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), os candidatos do duelo principal, Marina arrancava votos importantes. As pesquisas eleitorais começaram a apresentar um fenômeno curioso: o crescimento da candidata do PV era pequeno, mas ultrapassava a margem de erro e atingia em cheio os eleitores de grandes capitais. Foi assim que Marina empatou com Serra no Rio de Janeiro (RJ), em Salvador (BA) e em Recife (PE). E colou em Dilma em Belo Horizonte (MG) e em Brasília (DF), conforme as últimas pesquisas.

Os marineiros começaram a última semana antes da votação com a missão de amealhar 11 milhões de votos, se quisessem levar Marina ao segundo turno. A onda verde ganhou corpo, arrancou votos de Dilma e de Serra, mas começou tarde. É pouco provável que Marina siga candidata à Presidência a partir das 17h de hoje. Mas o respaldo que ela obteve na campanha e que deve conquistar nas urnas projeta a neomilitante do PV para um patamar superior ao ocupado antes do início da campanha. A disposição em bater sem pudores na candidatura de Dilma e com luvas de pelica no próprio presidente Lula coloca Marina na oposição.

Força A ex-ministra do Meio Ambiente sai da disputa eleitoral como a única que encarou, mesmo que polidamente, a altíssima popularidade do presidente Lula. A sociedade brasileira não precisa de pai ou de mãe. Não precisa de um iluminado, atacou. Nem o presidente, nem sua candidata puderam reagir. Ao contrário do prognóstico de Lula, que previa um encolhimento da candidatura do PV na reta final, o nome de Marina ganhou força, trouxe todas as incertezas a respeito de uma vitória de Dilma no primeiro turno. Nem Dilma nem Serra importunaram Marina, para não perderem votos. Ela se esbaldou.

A estratégia de partir para o ataque surtiu efeito insuficiente para colocá-la no segundo turno, mas forneceu todos os sinais sobre os rumos de Marina Silva após a eleição presidencial. Fora do PT, discordante da visão de desenvolvimento do país pregada pelo partido, a ex-ministra considera remota a possibilidade de compor um eventual governo de Dilma Rousseff.

As duas podem ser consideradas inimigas, uma inimizade cristalizada quando eram ministras de Lula e consolidada no embate eleitoral. Sem cadeira no Senado, Marina se prepara para voltar à sociedade. Deve comandar, a partir de 2011, entidades não governamentais em defesa do meio ambiente. Terá respaldo interno e internacional para isso, e já tomou iniciativas quando ainda era ministra nessa direção.

Partiu da senadora a ideia de relacionar religião e defesa do meio ambiente. Ela é idealizadora do Jubileu da Terra, que busca aplicar conceitos de sustentabilidade ao discurso bíblico e levar a defesa do meio ambiente para dentro das igrejas. A associação dos dois conceitos cai como luva para a linha de atuação de Marina, historicamente associada às causas ambientais e seguidora da Igreja Assembleia de Deus desde 1997. Ela passou a incentivar entidades não governamentais que associam os dois conceitos.

É o caso do Instituto Gênesis 1.28, de São Paulo. A Marina é nossa madrinha, diz o presidente da entidade, Valter Ravara. O instituto confecciona e vende ecobíblias, que trazem conceitos de sustentabilidade aplicados a textos religiosos. Alguns desses comentários são de autoria da própria Marina. Valter embarcou na campanha da senadora a presidente. Quando estou no púlpito, falo de cidadania e política. Fora, peço votos para ela.`

Durante a campanha, a candidata contou ainda com o apoio de 40 mil integrantes do Movimento Marina Silva, organização sem ligação com nenhum partido e que mobilizou diversas formas de divulgação da candidatura, principalmente pela internet. A ideia de encampar um nome à Presidência sem coloração partidária é relativamente nova na disputa eleitoral. Esse apoio espontâneo, somado ao apoio de artistas e de empresários, fortaleceu Marina, mesmo com a provável derrota nas urnas.

COMÍCIO POLÊMICO NA TERRA DE JK Marina Silva encerrou a campanha com visita a Diamantina (MG), terra do ex-presidente Juscelino Kubitscheck. Pouco antes de deixar a cidade, ela usou um carro de som e fez discurso para 200 pessoas. De acordo com a lei eleitoral, ontem era proibido fazer comício. A assessoria alegou que ela fez um agradecimento aos eleitores. No entanto, durante a fala de 2min40s a candidata chegou a pedir votos de forma velada. Ela disse que visitou Diamantina para se inspirar em JK. E emendou: Vou pedir a vocês que fiquem em estado de campanha para que a gente vá para o segundo turno.

"A sociedade brasileira não precisa de pai ou de mãe. Não precisa de um iluminado

Marina Silva, no momento da campanha em que subiu o tom contra Lula

Perfil

Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima

Nascimento: 8 de fevereiro de 1958, na comunidade Breu Velho, no Seringal Bagaço (AC) Estado civil: casada Formação: graduada em história pela Universidade Federal do Acre e pós-graduada em psicopedagogia

TRAJETÓRIA 1975 Muda-se para Rio Branco (AC) em busca de tratamento médico e estudo. 1985 Depois de se alfabetizar aos 16 anos, conclui o curso de história na UFAC. 1984 Ajuda a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre, ao lado de Chico Mendes. 1986 Disputa o primeiro cargo eletivo e perde, para deputada federal. Dois anos depois, é a vereadora mais votada de Rio Branco. 1990 Eleita deputada estadual também com votação recorde. 1994 Aos 36 anos, é a mais jovem senadora eleita do país. 2002 É indicada pelo presidente Lula para o Ministério do Meio Ambiente. A partir de 2003, dá início à redução do desmatamento da Amazônia. 2008 Sob risco de revogação do plano de combate ao desmatamento, pede demissão do ministério. 2009 Em agosto, deixa o PT e filia-se ao PV. 2010 Lança a candidatura à Presidência em maio.

AS ARMAS

Pontos fortes

Defesa da sustentabilidade ambiental

Imagem de honestidade, competência e enfrentamento na gestão pública

Crescimento da onda verde nas classes A, B e C e nas capitais

Apoio suprapartidário de diferentes movimentos sociais

Pontos fracos

Isolamento político, sem coligação com outros partidos

Imagem associada a uma bandeira exclusiva de defesa do meio ambiente

Resistência aos seguidores da fé evangélica

Distanciamento do presidente Lula e de antigos aliados