Título: Será que o governo deve subsidiar o crédito?
Autor: Cavalcanti,Tiago
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2012, Opinião, p. A14

O papel do governo em intervir no mercado de crédito tem gerado um longo e caloroso debate entre economistas. Há diversas formas de intervenção nesse mercado: taxa de juros subsidiadas, programas de garantia mínima, entre outras políticas.

Algumas características particulares fazem o mercado de crédito ser diferente de outros mercados. Problemas de informação lhe são inerentes, já que quem oferta recursos não tem informação perfeita da qualidade do projeto onde os recursos serão aplicados, ou não tem informação sobre se quem toma emprestado irá se esforçar ou mesmo tem interesse em honrar os compromissos do contrato de crédito. Tal problema de informação assimétrica pode ser agravado ou não pelas leis e instituições que definem as regras dos contratos. Dados os problemas de informação e a incerteza jurídica, intermediários financeiros podem cobrar juros elevados ou até não oferecerem empréstimos para alguns projetos de alto retorno, justificando assim a intervenção governamental.

Enquanto as políticas governamentais, em teoria, podem melhorar a alocação no mercado de crédito e ter efeitos positivos na economia, é importante saber a evidência empírica sobre o efeito dessas intervenções. Podemos apontar, sem maior rigor empírico, que vários países que se desenvolveram recentemente, como a Coreia do Sul, subsidiaram e direcionaram o crédito. Portanto, pode-se admitir que tais intervenções tiveram efeitos positivos nesses países e devem fazer parte do menu de políticas dos países em desenvolvimento. Contudo, além de ter investido pesado em educação desde da década de 60, a política industrial coreana foi diferente da adotada no Brasil, já que havia um incentivo maciço às exportações, ao contrário do Brasil, que protegeu setores, inclusive de bens intermediários, de qualquer competição externa. A indústria coreana pôde assim importar máquinas de alta qualidade e teve que competir no mercado externo, já no Brasil a indústria ficou ineficiente e voltada para o mercado doméstico.

Estudo de Jong-Wha Lee, ex-economista-chefe do Banco de Desenvolvimento da Ásia, utilizando dados da pesquisa industrial coreana, mostra que as indústrias que mais receberam crédito subsidiado não tiveram maior taxa de crescimento do produto do que as que não receberam o incentivo financeiro. Portanto, a atribuição do crescimento da indústria coreana aos empréstimos subsidiados não tem claro suporte empírico.

No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem financiado mais de 20% do crédito no país, na forma de empréstimos subsidiados para empresas, muitas das quais com acesso ao mercado de capitais internacional, cujos juros têm permanecido em valores historicamente muito baixos. O BNDES obtém recursos, principalmente, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e por meio das captações do Tesouro. O Tesouro emite títulos à taxa de juros Selic, atualmente em 9,75% ao ano, e repassa ao BNDES através da TJLP, que atualmente corresponde a 6% ao ano. Portanto, existe um custo de oportunidade do dinheiro do BNDES, haja vista a diferença entre os juros de captação do Tesouro e a TJLP, a nossa alta carga tributária e baixa taxa de investimento.

Assim, é preciso avaliar o efeito dessa política. Artigo de Ottavianno e Souza, publicado pelo Ipea, mostra que, dadas as características das empresas, os empréstimos do BNDES não têm um efeito positivo na produtividade das mesmas. As empresas que tomam recursos do BNDES são, em média, aquelas empresas que iriam crescer, mesmo sem os empréstimos subsidiados. Tal resultado foi corroborado em pesquisa de Ribeiro e DeNegri para o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Em artigo recente, estudei, em conjunto com pesquisadores qualificados, os efeitos de créditos subsidiados em economias com fortes imperfeições no mercado de crédito. Mostramos que subsídios na taxa de juros de empréstimos para investimento em capital não têm efeitos significantes no produto da economia. Em geral, o que acontece é uma transferência de recursos dos trabalhadores para uma pequena parcela de empresários.

O artigo também mostra que, dados os subsídios ao crédito, a melhoria de acesso aos empréstimos do BNDES pode ter efeitos positivos sobre o salário e produto. A razão é que grande parte desses recursos é apropriada por firmas que não estão restritas ao crédito. Assim, quando o acesso a tais empréstimos aumenta, firmas que estão restritas ao crédito e que, com isso, têm uma alta produtividade marginal do capital, podem investir mais e com isso aumentar a produção. Os efeitos, porém, não são elevados e dependem de se a taxa de juros para os empréstimos não-subsidiados não é afetada pela atuação do BNDES. O que é improvável.

Por fim, mostramos que reformas institucionais que possam diminuir as incertezas jurídicas e os custos da intermediação financeira podem melhorar sensivelmente o mercado de crédito e com isso ter efeitos significativos sobre o produto e o salário. A lei falimentar, aprovada em 2005 no Congresso, foi um avanço nesta direção, assim como a lei de alienação fiduciária, que tem tido um impacto significante no volume e taxas de juros de empréstimos para a compra de imóveis. Portanto, é mais eficaz o governo focar nas causas dos altos custos dos empréstimos no Brasil do que tentar aliviar tais efeitos por meio de subsídios ao crédito para firmas, muitas das quais com acesso ao mercado de capitais internacional.

Tais subsídios não são justificados pela evidência empírica existente, e sim, provavelmente, por questões políticas e de grupos de interesses. Ao invés de subsidiar firmas com acesso ao mercado de capitais, os recursos do BNDES deveriam ser racionalizados para, por exemplo, investimentos importantes de infraestrutura, projetos com retornos apenas no longo prazo, os quais são difíceis de serem financiados, e projetos que pudessem aumentar o desenvolvimento tecnológico no país.

* Página de pesquisa: sites.google.com/site/tiagovcavalcanti/research-1.

* Página do artigo: www.econ.cam.ac.uk/faculty/cavalcanti/subscredit.pdf

Tiago Cavalcanti é economista, professor da UFPE e da Universidade de Cambridge.