Título: Consultor de Alckmin critica gestão Saulo
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2006, Política, p. A6

Ao selecionar especialistas para montar seu programa de governo na área de segurança pública, o candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin, dá sinais de que não estenderia para o âmbito nacional a filosofia de trabalho do secretário de Segurança pública paulista, Saulo de Castro Abreu Filho, caso seja eleito. Alckmin dá ouvidos para críticos das estratégias que adotou durante seu mandato como governador de São Paulo.

Desde maio, quando teve início a primeira ofensiva do PCC este ano, Alckmin recebeu sugestões do sociólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Claudio Beato, um colaborador da administração do governador Aécio Neves, em Minas Gerais. Beato é um crítico da gestão paulista do sistema prisional e da segurança pública.

"A opção de sair prendendo pessoas em grande quantidade baixa a criminalidade, mas tem um custo no sistema prisional que estoura lá na frente. Na verdade, no caso de São Paulo, estourou agora. Em Minas Gerais, optou-se por prisões focalizadas e trabalho preventivo sobre áreas de risco, obtendo bons resultados nos índices", disse Beato, que coordena o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG. "Os tucanos estão preocupados em ampliar a sua visão sobre o tema e o que defendo é diferente do que foi feito em São Paulo nos últimos anos", complementou.

Beato propôs a Alckmin multiplicar por dez os recursos disponíveis no Fundo Nacional de Segurança Pública, que passaria para montantes da ordem de R$ 500 milhões para R$ 5 bilhões. Este fundo distribuiria recursos para os Estados que se adequassem às diretrizes nacionais para o setor. O gestor do fundo seria um órgão federal, com caráter ministerial ou não. "Isto permitiria o governo federal trazer para si a questão da segurança pública", disse Beato.

Os projetos a serem financiados, na visão do sociólogo, privilegiariam a integração das inteligências policiais e o aspecto preventivo, mas não se misturariam com programas sociais do governo. "Não se pode misturar política social com a prevenção de crimes. Uma política preventiva típica seria identificar as áreas de risco e oferecer aí oportunidades para a população entre 14 e 24 anos, que poderia ser até mesmo um programa de transferência de renda dirigido. Outra política preventiva típica é o monitoramento eletrônico de zonas urbanas", citou Beato.

Na gestão de Aécio Neves, não há resultados evidentes das políticas preventivas nos números globais de Minas Gerais, entre os anos de 2003 a 2005. A taxa de homicídio por 100 mil habitantes subiu levemente, de 18,3 para 20. A taxa anual de crimes violentos (homicídio doloso, roubo, extorsão mediante seqüestro, latrocínio e estupro) passou de 436,2 por 100 mil habitantes em 2002, último ano do governo Itamar, para 546 em 2004. No ano passado, houve uma queda, para 521,6 .

Na comparação com São Paulo (ver tabela ao lado), Minas exibe uma taxa de homicídios inferior a de São Paulo, mas em evolução crescente, ao contrário dos índices paulistas, que decaíram significativamente a partir de 2003. Minas também tem cinco vezes menos presídios que São Paulo, levando a taxa de nove presos por 10 mil habitantes. É um índice três vezes mais baixo que o paulista.

Os tucanos mineiros não deixaram de investir em presídios, mas em ritmo muito menor do que em São Paulo. Dos 28 estabelecimentos prisionais do Estado, onze foram inaugurados no governo Aécio, mas ainda há 18,8 mil presos em delegacias mineiras, ante 8,9 mil no sistema prisional. Nos três primeiros anos do atual governo mineiro, houve somente dezesseis rebeliões no sistema prisional. A megarrebelião de maio mobilizou 72 presídios de São Paulo.

No âmbito institucional, Beato propõe a desconstitucionalização da organização da segurança pública. "É evidente que um modelo único para todo Brasil não está funcionando. A Constituição engessa iniciativas", disse. Com a desconstitucionalização, cada Estado poderia adotar um modelo diferente para a instituição policial.

Beato propôs a Alckmin ainda a ampliação do programa de construção de presídios federais, para facilitar aos Estados a tarefa de separar os presos conforme o tipo de delito. "Seria também a ocasião de passar um pente fino nas prisões. Em São Paulo, o número de detentos quase triplicou nos últimos anos. Tenho a convicção de que pelo menos 40% deste total poderia cumprir penas alternativas, desafogando o sistema", afirmou.

O sociólogo mineiro não foi o único especialista crítico à gestão da segurança em São Paulo ouvido por Alckmin. O candidato encontrou-se em maio com o ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Lula, Luiz Eduardo Soares, que saiu do PT e hoje está no PPS, e apresentou a Alckmin idéias semelhantes as de Beato.

Em seu esboço de programa de governo, divulgado no mês passado ao ser escolhido candidato a presidente, Alckmin foi moderado em relação ao tema: não prometeu ampliar, mas descontingenciar os recursos do Fundo Penitenciário Nacional. Não menciona desconstitucionalização das polícias, mas somente regulamentar a Carta, enviando para o Congresso uma lei para definir a competência da Polícia Federal em relação às "infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme"; e outra lei para harmonizar os diversos órgãos da segurança pública.