Título: STF autoriza ação contra 15 deputados
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2006, Política, p. A10

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a abertura de processos judiciais contra 15 deputados, denunciados por envolvimento com a Máfia das Sanguessugas. Eles foram acusados pelo Ministério Público Federal (MP) de participação no esquema de superfaturamento na compra de ambulâncias com recursos do Orçamento da União.

As autoridades estimam que o desvio de recursos públicos pode ter chegado a R$ 1 bilhão em cinco anos. O processo judicial corre sob segredo de Justiça. Na semana passada, o Valor teve acesso à lista dos 15 deputados. Outros 42 parlamentares estão sendo investigados pela Procuradoria-Geral da República.

Desde 2001, os 15 parlamentares apresentaram 239 emendas ao Orçamento destinadas à compra de ambulâncias e equipamentos hospitalares. Os políticos respondem a acusações por crime contra a administração pública, além de corrupção ativa e passiva.

Os deputados denunciados ao Supremo Tribunal pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, são: Benedito Dias (PP-AP), Cabo Júlio (PMDB-MG), Cleonâncio Fonseca (PP-SE), Elaine Costa (PTB-RJ), Fernando Gonçalves (PTB-RJ), Itamar Serpa (PSDB-RJ), João Caldas (PP-AL), Lino Rossi (PP-MT), Nilton Capixaba (PTB-RO), Paulo Baltazar (PSB-RJ), Paulo Feijó (PSDB-RJ), Pedro Henry (PP-MT), Reginaldo Germano (PP-BA), Tetê Bezerra (PMDB-MT) e Vieira Reis (PRB-RJ).

Em reunião recente com os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Sanguessugas, o procurador-geral afirmou ter convicção da participação dos parlamentares no esquema de corrupção. Por isso, tomou a iniciativa de denunciá-los imediatamente, sem esperar pela conclusão dos trabalhos da CPI. No Brasil, os parlamentares têm foro privilegiado - só podem ser processados no Supremo Tribunal Federal.

Com a descoberta do esquema, a Polícia Federal (PF) colocou em prática a Operação Sanguessuga. Em maio, 46 pessoas - entre empresários, assessores de deputados e ex-parlamentares - foram presas. Nas investigações, a PF e o MP descobriram também indícios da participação de dezenas de parlamentares, o que levou o caso às mãos do procurar-geral, Antonio Fernando de Souza.

Em um primeiro momento, Antonio Fernando decidiu denunciar 15 parlamentares. No STF, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, autorizou a abertura de processo contra os deputados e comunicou a decisão à Mesa Diretora da Câmara. Entre os processados, dois fazem parte da Mesa - João Caldas, 4º secretário da Câmara, e Nilton Capixaba, 2º secretário. A lista dos parlamentares obtida pelo Valor, circulou na Mesa Diretora. A relação já está na gaveta de pelo menos dois integrantes do alto escalão do governo federal.

Segundo a denúncia formulada pelo Ministério Público, o esquema funcionava desde 2001 e tinha três vertentes: a empresa Planam, responsável pela venda de ambulâncias, o Congresso e o Ministério da Sáude. A Planam, pertencente aos empresários Darci José Vedoin e seu filho, Luiz Antonio Vedoin, procurava os prefeitos e os deputados, segundo apurou a PF.

Às prefeituras, os dois supostamente ofereciam as ambulâncias e a organização das licitações. As autoridades acreditam que todas as empresas participantes dos pregões eram laranjas da Planam. Aos parlamentares, acusa o Ministério Público, os empresários pediam a inclusão de emendas ao Orçamento para a compra de ambulâncias em troca de propinas. A verba saía do Fundo Nacional de Saúde. O livro caixa da empresa revela pagamentos periódicos aos denunciados.

Com a emenda incluída e a compra da ambulância acertada, faltava apenas a liberação da verba pelo Ministério da Saúde. A Polícia Federal apurou que cabia à Maria da Penha Lino, assessora do gabinete do ex-ministro Humberto Costa, o trabalho de agilizar a liberação das emendas feitas "sob encomenda". O inquérito aponta para o superfaturamento nos preços das ambulâncias e equipamentos. Foram vendidas mais de mil ambulâncias ao preço médio de R$ 110 mil cada. Alguns veículos eram comprados por R$ 40 mil e revendidos pelo dobro do preço. Há suspeitas de que o esquema estaria migrando para outros dois ministérios - Ciência e Tecnologia e Educação.

Depois do PP, as legendas com o maior número de denunciados são o PTB (3), o PSDB (2) e o PMDB (2). PRB, o partido do vice-presidente, José Alencar, e PSB completam a lista. O Rio de Janeiro tem o maior número de deputados na lista, com seis nomes, seguido do Mato Grosso, com três. Dos 15 cuja abertura de processo foi autorizada pelo Supremo, apenas um - a deputada Tetê Bezerra (PMDB-MT) - não é candidata à reeleição.

O esquema começou no Mato Grosso. Em Cuiabá, fica a sede da Planam. Entre os deputados fluminenses, um deles, Fernando Gonçalves (PTB-RJ), era suplente do deputado cassado

Roberto Jefferson. "Os envolvidos têm algumas características em comum. Todos são do baixo clero. E muitos são do Rio de Janeiro e da bancada evangélica", diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), integrante da CPI das Sanguessugas.

O parlamentar aponta algumas particularidades do esquema. A Planam, apontam as investigações, teria sido criada exclusivamente para superfaturar ambulâncias e fraudar licitações. "É a primeira empresa do país destinada só à corrupção", diz.

Outro ponto importante é a participação dos parlamentares. A contabilidade da empresa aponta para um boom de faturamento e movimentação financeira em 2002. Perguntado sobre isso, Luiz Antonio Vedoin justificou o aumento pela proximidade com as eleições. "Os deputados queriam as recompensas para financiar suas campanhas", analisa Jungmann.

A presença ampla de deputados do Rio e da bancada evangélica reflete, segundo o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), a suposta influência do ex-deputado Carlos Rodrigues sobre os colegas. Acusado de envolvimento com as sanguessugas, o ex-parlamentar e ex-bispo da Igreja Universal está preso. Ele foi acusado de ser um dos responsáveis pela distribuição de recursos do mensalão no Rio e entre os parlamentares evangélicos. "Uma análise feita pela CPI é que o deputado Carlos Rodrigues teria participação tanto no mensalão quanto nas sanguessugas", disse Delgado.