Título: Riscos do subsídio federal para o transporte urbano
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2006, Opinião, p. A14

A proposta do Ministério das Cidades de conceder subsídio às passagens de ônibus urbanos e de instituir um marco regulatório para o setor, conforme noticiado na sexta pelo Valor, tem o mérito de estimular a reflexão sobre o tema dos transportes coletivos. O desafio será não cair na tentação de, apressadamente, criar uma política de caráter meramente eleitoreira, sem pesar com prudência as suas repercussões.

A idéia é instituir um subsídio federal, estimado entre R$ 300 milhões e R$ 600 milhões, que permita uma redução de 10% nas tarifas de ônibus urbanos de cidades com mais de 60 mil habitantes. Metade da conta seria bancada pela União, e o resto, dividida entre os Estados (30%) e os municípios (20%).

Subvenções diretas, explicitamente incluídas no Orçamento, são sempre preferíveis a outros mecanismos pouco transparentes largamente adotados no passado, como subsídios cruzados nas tarifas ou renúncia fiscal. É positivo que fique sempre claro o gasto de dinheiro público, favorecendo a reavaliação permanente de custos e benefícios. A ressalva é que o subsídio significa mais um item de pressão nos gastos da União, que vêm mantendo velocidade de expansão que os duplica a cada dez anos.

Tomando como certa a premissa de que a nova despesa não prejudicará os esforços de ajuste fiscal, é possível encontrar argumentos em sua defesa. Em tese, o subsídio pode se justificar por dois motivos: 1) é uma forma de aumentar a renda disponível da população urbana mais pobre; 2) cria externalidades positivas nas cidades, como redução da poluição e do tempo médio de deslocamento - ao incentivar o uso do transporte coletivo.

Como em todas as políticas de caráter social, a pergunta que deve ser feita é se, de fato, os recursos vão chegar aos extratos mais pobres. Naturalmente, não se pretende negar que uma parcela significativa dos deslocamentos por ônibus é feita por pessoas de menor renda. Mas é igualmente verdadeiro que enormes contingentes da população, tal o nível de pobreza, não têm condições de pagar tarifas e fazem deslocamentos a pé. Seguramente, não será uma redução de 10% que irá inclui-los. Talvez o subsídio direto aos mais pobres seja o método mais eficaz.

Outro aspecto que deve ser pesado cuidadosamente é que, hoje, boa parcela dos deslocamentos pelo sistema de ônibus urbano é paga pelos empregadores, por meio do sistema de vale-transporte. Subsídios que atendam indistintamente a todos os passageiros beneficiariam também as empresas, que evidentemente não devem ser alvo de políticas sociais.

É inegável, por outro lado, que a maior difusão do transporte público criaria externalidades positivas nas cidades. Em termos absolutos, já seria um motivo mais do que razoável para tocar a proposta adiante, não fossem algumas ponderações que se fazem necessárias. É improvável que, com um movimento de 10% nas tarifas, número expressivo de motoristas seja convencido a trocar o automóvel pelo ônibus. Seria necessário, para tanto, aceitar o pressuposto de que existe uma alta elasticidade de preço; fatores como qualidade dos serviços seguramente explicam melhor a preferência pelos automóveis.

Finalmente, não seria descabido discutir se, com efeito, o subsídio realmente chegará aos usuários finais do sistema, seja qual for sua classe de renda. O histórico das relações entre empresas de ônibus urbanos e os governos municipais não é dos mais animadores. Se prevalecerem as relações promíscuas apuradas em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), corre-se o risco de o subsídio ficar em algum escaninho no meio do caminho.

A esse respeito, é meritória a iniciativa do Ministério de Cidades de criar um marco regulatório para o setor, que disciplinará as relações entre os poderes públicos concedentes e as empresas de ônibus, definindo metas como qualidade e fixando critérios para a formação dos preços. Seguramente, o modelo de agências reguladoras independentes seria o mais adequado. Se é impossível criá-las em todos os municípios, sobretudo os menores, o governo deveria pelo menos buscar inspiração nessa experiência, reduzindo a ingerência política em assuntos que são técnicos na essência.