Título: G-8 adia por um mês definição sobre futuro da Rodada Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2006, Especial, p. A16

O novo prazo para salvar do fiasco a rodada global para liberalizar o comércio mundial, conhecida como Rodada Doha, é agora metade de agosto próximo. O período de um mês foi estabelecido ontem, na Rússia, pelas maiores potências do planeta, reunidas no G-8.

A decisão, tomada por EUA, Alemanha, França, Japão, Itália, Canadá, Grã-Bretanha (além da Rússia), - e que pegou o Brasil de surpresa - confirma a dificuldade de alcançar um acordo para cortar tarifas e subsídios: como existem problemas para tratar do conteúdo, os chefes de Estado e de governo agiram sobre procedimento da negociação.

A tarefa dada ao diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, é positiva, porque obriga os países a focarem no objetivo. Só que vem sem o essencial: orientação política aos negociadores para fazer novas barganhas. Se Lamy até agora não colocou uma proposta de acordo agrícola e industrial na mesa, é porque sabe que será rejeitado com as posições atuais dos países.

Daí a importância da reunião desta manha entre os lideres do G-8 e dos cinco emergentes convidados (Brasil, China, Índia, África do Sul, México, além do Congo, que representa a União Africana). Se EUA, União Européia e Índia não sinalizarem com disposição de colocar novas ofertas na mesa, o novo prazo apenas empurrará por mais um mês o inevitável: o fracasso da rodada.

É na área agrícola que está o essencial do bloqueio. Os EUA estão isolados na defensiva, evitando novos cortes nos subsídios domésticos. A UE admite corte de pelo menos 51% nas tarifas agrícolas. O Brasil aceita ampliar o corte nas tarifas industriais. Mas todo mundo reclama de falta de ambição e continua guardando suas cartas na manga.

Sob pressão interna, o governo Bush já tinha sinalizado em São Petersburgo a pouca disposição na negociação bilateral com a Rússia, para a entrada de Moscou na OMC. Alegando problemas nas regras para entrada de produtos como carne bovina e frango, além de patentes, os americanos não deram o sinal verde esperado pelos russos para entrar na entidade.

No mesmo momento em que o G-8 anunciava o prazo em comunicado, no outro lado de São Petersburgo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comandava uma reunião com presidentes de países emergentes, preparando a posição para esta manha, na reunião que ocorrerá no Kostantinovsky Palace, onde Pedro, o Grande, fundou sua "Versailles da Rússia"', com mil quartos.

Os presidentes Lula, Hu Jintao (China), Thabo Mbeki (África do Sul), Vicente Fox (México), o primeiro-ministro Manmohad Singh (Índia) e o líder da União Africana discutiram um documento, quando o G-8, minutos antes, já tinha dado todas suas respostas em seu comunicado. Em entrevista a jornalistas brasileiros, o presidente Lula foi indagado sobre o prazo de um mês. Lula foi rápido no gatilho, não deixando transparecer que desconhecia o fato.

Mais tarde, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu ter sido surpreendido. É que horas antes teve acesso a um esboço do comunicado do G-8 que não fazia essa menção. A idéia que circulava entre os negociadores do G-6, que reúne os países-chave da negociação, era de que haveria nova reunião entre os ministros na semana que vem, em Genebra.

A partir daí, o presidente Lula tratou de ressaltar que, se for um ou 30 dias a mais, não importa. O principal é haver acordo de liberalização comercial global. E deu uma sinalização que pode ser positiva para a reunião de hoje com o G-8: o Brasil está pronto para fazer concessões, condicionado ao que receber em troca.

O comunicado do G-5, por sua vez, cobra mais do que promete. Exige concessão agrícola, mas não menciona concessão nas áreas industrial e de serviços. A situação tampouco poderia ser diferente. Horas antes, a negociadora-chefe americana, Susan Schwab, se reuniu com Amorim, e de novo não mostrou disposição de fazer nova oferta.

O ministro, em todo caso, se declarou "confiante" em acordo na OMC. Para Amorim, a decisão do G-8 dá "sentido de urgência e de realismo" na negociação. Outros negociadores apostam mais do que nunca no atraso ou mesmo enterro da rodada. Agosto é o mês de férias na Europa, e a própria OMC fica quase vazia.

Hoje, o G-5 pedirá ao G-8 mais assistência aos países mais pobres. A resposta já estava ontem no anúncio do grupo dos ricos: um pacote de US$ 4 bilhões para ajudar países pobres a se ajustarem à liberalização comercial.