Título: O alto preço da escolha errada
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2010, Política, p. 15

CGU encontra desvio de mais de meio bilhão de reais em prefeituras e governos nos setores de saúde e educação. Maior parte da culpa é de políticos eleitos ou de gente indicada por eles

Os valores são altos e os prejuízos sociais, incalculáveis. Os desvios de recursos da saúde e da educação no Brasil levaram a Controladoria-Geral da União (CGU) a pedir a devolução de R$ 530 milhões aos cofres públicos com base em processos concluídos entre 2008 e julho deste ano. A maior parte das irregularidades é atribuída a políticos eleitos ou a pessoas indicadas por eles para administrar recursos repassados pelos ministérios da Saúde e da Educação para prefeituras e governos. Nesta terceira reportagem sobre a importância da escolha dos próximos representantes populares, o Correio fez a conta do rombo encontrado pelos auditores em fiscalizações realizadas nos últimos anos, e conta a história de duas brasileiras vítimas dos desfalques e do descaso desses gestores com setores essenciais à promoção da dignidade humana.

Os relatórios(1) encaminhados pela CGU ao Tribunal de Contas da União (TCU) mostram irregularidades como o não cumprimento das ações que deveriam ser realizadas com os recursos repassados, falhas nas prestações de contas e até ausência de respostas a questionamentos sobre a aplicação do dinheiro. Segundo técnicos da controladoria, o meio bilhão de reais desviado nos últimos anos ainda representa uma quantia bem inferior ao valor real dos desfalques, já que os auditores não fiscalizaram todos os estados e municípios, mas apenas alguns deles, escolhidos por sorteios. A amostragem assusta qualquer contribuinte. Somente em 2009, gestores públicos mudaram o destino de R$ 234,2 milhões que saíram da conta do Ministério da Saúde e não se transformaram em investimentos em hospitais, aparelhos ou serviços médicos. Em 2008, o valor desviado do setor foi de R$ 203,9 milhões. No primeiro semestre deste ano, a quantia que a CGU pediu de volta aos cofres públicos caiu, chegando a pouco mais de R$ 10 milhões.

Os desfalques de recursos da saúde encontrados pela CGU em todo o país atingem a marca de R$ 448,3 milhões somente nos últimos anos. Dinheiro que poderia servir para construir pelo menos três hospitais de médio porte e ajudar brasileiros como dona Maria Goreti Lima, 53 anos. Com problemas no coração, ela está há mais de um ano na fila do Hospital de Santa Maria aguardando por uma consulta. Depois de ser internada por duas vezes às pressas, ela agora entrou em nova fila. Dessa vez, por uma cirurgia. Dizem que não tem médico e quando tem, não há vaga. Tem gente que está esperando há mais tempo do que eu. Disseram que vão me ligar quando abrir uma vaga, mas demora muito. Não sei se vou ficar bem até conseguir o atendimento, lamenta a aposentada.

A piauiense Luana de Andrade, 23 anos, é outra vítima dos desvios de recursos. Sua história é parecida com a de milhares de brasileiros. Nordestina, engravidou cedo e veio para Brasília fugir da pobreza. Não conseguiu. No Distrito Federal há três anos, nem sequer encontrou vaga para matricular a filha e a sobrinha em alguma escola e ainda teve de deixar o emprego formal para cuidar das crianças. Fui em várias escolas. Há meses tento uma vaga para elas, mas dizem que não tem e que não há previsão. Falta tudo nessas escolas. Lá no Piauí, a situação também era difícil. Por isso, elas vão fazer 6 anos e nunca estudaram, conta a mãe de Ednalva e tia de Tainá.

ONGs O serviço público que falta à família de Luana prejudica brasileiros em diferentes partes do país. Em 2009, 55 prefeituras em 18 estados entraram na lista da CGU de órgãos obrigados a ressarcir o erário. Além delas, Organizações Não Governamentais (ONGs) ligadas à educação e até universidades renderam aos cofres públicos prejuízo de R$ 28,9 milhões em 2009 e de R$ 52,8 milhões em 2008. Este ano, as auditorias da CGU não incluíram recursos do Ministério da Educação.

Para um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), juiz Marlon Reis, os valores desviados por agentes políticos devem servir de argumento para que o eleitor pense e avalie a conduta e o histórico dos candidatos antes de votar. É preciso consciência na hora de escolher. Somente tirando dos cargos eletivos pessoas mal-intencionadas, será possível mudar esse cenário no Brasil, defende.

1 - Tomadas de contas O trabalho da CGU se refere a Tomadas de Contas Especiais realizadas em convênios e repasses realizados por órgãos públicos. Elas representam um instrumento de que dispõe a Administração Pública para ressarcir-se de eventuais prejuízos que lhe forem causados, sendo o processo revestido de rito próprio e somente instaurado depois de esgotadas as medidas administrativas para reparação do dano. O Correio analisou os dados desses levantamentos realizados pela CGU e encaminhados ao TCU entre 2008 e julho deste ano.

"É preciso consciência na hora de escolher. Somente tirando dos cargos eletivos pessoas mal-intencionadas será possível mudar esse cenário no Brasil

Marlon Reis, juiz e coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE)