Título: Licença ambiental atrasa licitação de hidrelétricas do Rio Madeira
Autor: Coimbra, Leila
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2006, Empresas, p. B1

Uma das prioridades do governo federal na área de infra-estrutura, o gigantesco complexo hidrelétrico do rio Madeira, que exigirá no mínimo R$ 20 bilhões em investimentos, pode não ser leiloado nesse ano devido a atraso na concessão da licença ambiental. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento, devolveu o estudo preliminar de impacto ambiental realizado por Furnas e Odebrecht no último dia 7, por considerá-lo insatisfatório e pede esclarecimentos complementares às empresas.

A previsão inicial do governo federal era leiloar sua concessão em junho. Para que não ocorra um sério problema de oferta de energia em cinco anos, as obras do complexo deverão ter início até agosto de 2007, impreterivelmente. Depois disso, as cheias do rio Madeira não permitirão o início a construção da usina, que teria que ser adiada por mais um ano.

Furnas e Odebrecht deverão agora refazer alguns dos 29 pontos do relatório questionados pelo Ibama e novamente entregá-lo ao órgão, que terá até 45 dias para nova avaliação e depois, se conceder a licença preliminar do EIA-Rima, convocar a rodada de audiências públicas. Todo esse processo, porém, pode tomar no mínimo quatro a cinco meses e comprometer a licitação do projeto ainda este ano. Dessa forma, estaria afetada oferta dessa energia partir de 2011.

Fonte envolvida com o projeto disse que, se houver "vontade técnica" do Ibama, a revisão dos dados complementares levarão no máximo 15 dias, pois não se trata mais da análise do projeto de EIA-Rima. Odebrecht e Furnas, informou, vão entregar as exigências do órgão dentro de uma semana. "Acreditamos que a licitação tem condições técnicas de ocorrer até o início de novembro", afirmou, lembrando que se trata de um projeto estratégico para o país.

Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal criada pelo governo Lula para planejar o setor, disse ao Valor que, se não for possível realizar o leilão do complexo em 2006, o governo já trabalha com alternativas: uso de geração a carvão, biomassa e mesmo gás natural nacional da Bacia de Santos, a partir de 2011. Outros dois pilares do plano decenal de energia, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e a usina nuclear de Angra 3 - ainda não tiveram o aval do Conselho Nacional de Política Energética e, assim, não têm previsão de sair do papel tão cedo.

Tolmasquim disse que a preocupação do governo é garantir a oferta a partir de 2011. Mas, ele ainda acredita que o leilão possa ocorrer no mês de novembro.

Até 2010, as distribuidoras de energia já firmaram contratos suficientes para atender a demanda. O cronograma do governo conta com a licença prévia em novembro - podendo realizar a a licitação - e, seis meses depois, em média, o Ibama liberaria a licença de instalação, para início das obras.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, contesta a versão do presidente da EPE. "O plano decenal do governo foi apelidado de bala de prata, pois conta com apenas um cenário, fincado sob a estrutura de três 'mega-projetos' - Madeira, Belo Monte e Angra3, que são de difícil execução e cujos prazos imaginados anteriormente não deverão ser cumpridos". Para o executivo, outros projetos mais simples e de menor porte estão em curso há anos e ainda assim enfrentam problemas.

O Madeira é um ambicioso projeto que prevê a construção de duas hidrelétricas do lado brasileiro (de Santo Antônio e Jirau, ambas no rio Madeira ) uma do lado boliviano (no rio Beni) e outra binacional (no rio Mamoré, na fronteira). Além da geração de energia, o projeto possibilitará a interligação da infra-estrutura de transportes do Brasil, da Bolívia e do Peru, por hidrovia. Isso porque as quatro usinas cobrirão com água os obstáculos naturais hoje existentes nos rios e tornarão navegáveis 4.200 km nos leitos do Madeira, Mamoré e Beni, até o território peruano.

A hidrelétrica de Santo Antônio, com 3.150 MW, e a de Jirau, com 3.300 MW, demandarão R$ 20 bilhões na sua construção. Outros R$ 10 bilhões serão necessários para as linhas de transmissão que interligarão o projeto ao restante do sistema elétrico nacional, que serão leiloadas separadamente.

O governo federal se animou com o projeto porque no último ano os seus estudos ambientais avançaram em ritmo acelerado. As expectativas eram de se obter um licenciamento prévio pelo Ibama em março ou abril, para um leilão em julho, o que não aconteceu.

Um consórcio formado pelas estatais Furnas , Chesf e Eletronorte - todas subsidiárias integrais da holding Eletrobrás - já havia sido acertado. Juntas, as estatais assumiriam 49% do projeto. Os outros 51% seriam privados e teria como participantes Odebrecht e Camargo Corrêa - interessadas em tocar as obras civis - e fornecedores de equipamentos como Voith Siemens e GE.

A Odebrecht, entretanto, já informou que tem uma parceria com Furnas para disputar a licitação do empreendimento com outros candidatos. Juntas, já gastaram mais de R$ 100 milhões no desenvolvimento do projeto.

Numa das opções de concessão, a operadora das usinas seria Furnas, e o governo federal teria uma espécie de "golden share", parcela do capital com direito a vetos sobre decisões. Esse modelo, apesar de defendido por alguns integrantes do governo, gerou controvérsias entre alguns ministérios. (Colaborou Ivo Ribeiro, de São Paulo)