Título: Sucesso do país espanta as ONGs
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 03/10/2010, Economia, p. 20

Boas notícias sobre a economia brasileira levam organizações internacionais a reverem projetos e redirecionarem ajuda para nações mais pobres

Iniciativa da IS em Pernambuco: entidade perde importantes recursos distribuídos pelo governo irlandês e prevê uma redução de 20% no orçamento de 2011

O Brasil começa a sentir os efeitos colaterais de seu admirado crescimento econômico. A constatação de que já se tornou um país de renda per capita média vem fazendo com que instituições de cooperação internacional decidam deixar o até pouco tempo atrás claudicante território nacional e voltar-se para países mais pobres. Sem recursos, muitas organizações não governamentais (ONGs) enfrentam dificuldades de manter seus projetos sociais em funcionamento e até mesmo de permanecer no país.

Levantamento feito pela entidade Serviço Internacional (IS Brasil) com 30 organizações internacionais que atuam em território nacional apontou uma redução drástica nos recursos dessas instituições para projetos desenvolvidos no Brasil. No ano passado, elas contaram com R$ 309 milhões para investimentos em projetos em solo brasileiro. Em 2010, os recursos caíram para R$ 138 milhões. Desde 2007, o orçamento médio anual por ONG estrangeira que atua no Brasil saiu do patamar de R$ 6,5 milhões para atuais R$ 4,6 milhões.

A crise econômica aprofundou essa tendência, com os financiadores tradicionais realizando cortes na ajuda externa. De 2008 para 2009, somente a Irlanda anunciou um corte de 195 milhões de euros, equivalentes a 21,8% de seu orçamento para cooperação internacional. No mesmo ano, a Itália decidiu cortar 400 milhões de euros 56% do total previsto para apoio a projetos em outros países.

A perda de recursos está deixando órfãs várias organizações não governamentais. A própria IS Brasil é um exemplo. Trabalhando pela ONG desde março de 2009 em um projeto de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) no município amazonense de Benjamin Constant, o publicitário Alex Dolzan teve seu contrato encerrado na última semana sem renovação. A cidade é muito carente, não chegam jornais ou revistas, o acesso à internet é difícil e os telefones não funcionam direito. Por isso, o trabalho local de informação sobre as DST e a Aids é importante aqui, argumenta.

Lista grande Para continuar atuando, Dolzan conseguiu engajar-se em outro projeto, que também conta com financiamento externo, o Amazonaids. Mas a IS reduziu suas atividades em Manaus e teme não conseguir manter-se no estado. Não temos a intenção de deixar a Amazônia definitivamente, mas não há certeza de que vamos prosseguir, lamenta o diretor da IS Brasil, Luca Sinesi. A ONG, que perdeu um financiamento importante do governo irlandês, ainda conta com recursos do governo do Reino Unido e da União Europeia, mas ainda assim prevê corte de 20% no orçamento para o Brasil em 2011.

É extensa a lista de instituições internacionais que já deixaram ou sairão em breve do país. Inclui entidades como a Catholic Relief Services, da comunidade católica norte-americana; a belga Volens; a Cordaid, do governo holandês; a suíça Terre des Hommes e a Cida, agência de cooperação canadense.

Com isso, organizações como a Cáritas, que no Brasil é ligada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), têm encontrado dificuldades em obter recursos. No meio do ano, a instituição perdeu o financiamento de duas agências internacionais que apoiavam projetos relacionados a crianças e adolescentes, a assentamentos de terra, à agricultura familiar e a catadores de lixo. Nos cálculos do representante da Cáritas, Ademar Bertucci, a proporção do orçamento proveniente de cooperação internacional caiu de 80% para 30% nos últimos 10 anos.

O número US$ 120 milhões Valor dos compromissos assumidos no exterior por órgão de cooperação ligado ao Itamaraty

Brasil manda mais dinheiro

Ao contrário do que vêm fazendo governos de países desenvolvidos, o Brasil está estendendo a sua ajuda internacional. No ano passado, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ligada ao Itamaraty, contou com um orçamento de US$ 19 milhões. Em 2010, os recursos disponíveis passaram a US$ 33,6 milhões. A ABC vem ampliando sua participação em projetos na América Latina, no Caribe, na África, na Ásia e na Oceania. Coopera, atualmente, em 77 países. Para os próximos três anos, os compromissos já assumidos somam US$ 120 milhões.

Ainda recebemos mais ajuda do que prestamos, mas de fato essa diferença vem diminuindo nos últimos anos, admite o ministro Marco Farani, diretor da ABC. Entre os países que mais financiaram projetos no Brasil nos últimos anos estão Alemanha (49,3 milhões de euros), Japão (US$ 12 milhões), Espanha (4,6 milhões de euros), França (7 milhões de euros), Itália (3,3 milhões de euros) e Canadá (US$ 20 milhões). Algumas organizações internacionais fazem a leitura de que, se o Brasil pode prestar cooperação, não precisa receber. O Brasil tem, sim, todos os recursos para reduzir a pobreza e a desigualdade, mas as regiões onde a gente trabalha, Norte e Nordeste, têm índices de desenvolvimento muito baixos, diz Luca Sinesi, da IS.

O representante da Cáritas, Ademar Bertucci, acredita que as organizações brasileiras caíram numa espécie de limbo. Ele defende a reformulação do marco regulatório do setor, como também o faz Silvio SantAna, do grupo Esquel. Para Sant Ana , enquanto a questão não é mais bem regulamentada, as organizações devem buscar alternativas. Neste momento, estamos recebendo recursos externos da área privada e não multilaterais. Mas ficamos, às vezes por anos, sem receber apoio, diz. A diversificação, entretanto, é mais difícil para as ONGs que trabalham com direitos humanos, que envolve politicas internas. (MM)