Título: Tributação dará chance à Terra
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 19/07/2006, Opinião, p. A11

Que tipo de providência deveríamos tomar para lidar com os riscos da mudança climática produzida pelo homem? Alguns respondem: não façam nada. Outros dizem: abandonem os combustíveis fósseis. O primeiro grupo acredita que a mudança climática é um embuste. O último o considera a única causa que interessa. Nenhum desses extremos me parece convincente. Devemos tomar algum tipo de providência, mas resta saber em que medida e como.

A adaptação deve ser uma enorme parcela da nossa resposta. As concentrações de CO2 na atmosfera já subiram de 280 partes por milhão antes da revolução industrial para 380 atualmente. Para evitar que as concentrações cresçam mais, as emissões deveriam cair em 60% da noite para o dia. As probabilidades de convencer a humanidade a reduzir o seu consumo de combustíveis fósseis nesta dimensão são zero. A probabilidade dominante é, pelo contrário, de haver um enorme crescimento adicional nas emissões, enquanto bilhões de seres humanos lutam para alcançar o estilo de vida intenso em energia dos países desenvolvidos. O carvão é suficientemente abundante para gerar um acréscimo desta magnitude no uso da energia, independente do que vier a acontecer com o petróleo ou o gás.

Se for impossível evitar a adaptação, também será penoso escapar à lógica da mitigação. Podemos alcançar isso através da redução da intensidade da energia na economia, passando de combustíveis fósseis para renováveis e capturando e armazenando emissões. Num interessante artigo recente, Klaus Lackner e Jeffrey Sachs, da Universidade Colúmbia, argumentam que mesmo com uma queda anual de 1,5% no consumo de energia por unidade de produção, a demanda mundial por energia primária poderá crescer em 2,8 vezes até 2050 e 4,3 vezes até 2100. As concentrações de CO2 na atmosfera poderão chegar então a 800 partes por milhão até 2100, quase três vezes o nível pré-industrial. A humanidade estará correndo um arriscado experimento climático.

É possível conter tamanho crescimento nas emissões e ao mesmo tempo satisfazer a sede de energia da crescente população mundial? A resposta é sim, porém só até certo ponto. A Agência Internacional de Energia (AIE) produziu um novo relatório fascinante sobre as possibilidades tecnológicas ("A Robust Strategy for Sustainable Energy", Brookings Papers on Economic Activity, 2: 2005, www.earthinstitute.columbia.edu).

Ele traz uma projeção referencial, na qual as emissões mais do que dobram até 2050. A aplicação rigorosa do que já é mais ou menos conhecido poderá reduzir à metade as emissões relativas àquela referência. Mas elas ainda cresceriam em cerca de 6% acima dos níveis atuais. Só com uma aceleração adicional no desenvolvimento tecnológico as emissões poderão cair em 16% abaixo dos níveis atuais até 2050. Mesmo assim, as concentrações de CO2 estarão bem acima dos níveis atuais (Energy Technology Perspectives, www.iea.org ).

Quase metade da queda nas emissões derivadas da aplicação de tecnologias existentes viria de uma maior eficiência no uso da energia. A segunda fonte mais importante seria a captura e o armazenamento do carbono, que responderia por um quinto das reduções. O uso de biomassa e outros meios renováveis em geração de energia elétrica (eólica, energia solar e assim por diante) participariam com 8% do declínio, ao passo que a geração de energia nuclear e o uso de biocombustíveis nos transportes acrescentariam 6% cada. O cenário ainda mais otimista do AIE acrescenta iniciativas na direção de uma economia de hidrogênio, assim como em quedas ainda mais velozes nos custos de outras tecnologias de baixa emissão.

-------------------------------------------------------------------------------- O protocolo de Kyoto é um gesto e não uma política: investir em novas tecnologias e chegar a um acordo sobre o imposto comum seria um verdadeiro começo --------------------------------------------------------------------------------

Quais são as melhores políticas para fazer essas mudanças acontecerem? Existem três componentes: apoio generoso para pesquisa e desenvolvimento em tecnologias promissoras, imposição de normas reguladoras (insistência na captura e armazenagem do carbono em nova geração de eletricidade movida a carvão, por exemplo) e, acima de tudo, um alto custo do carbono. Os certificados para comercialização de créditos de carbono ou os tributos sobre o carbono são formas alternativas de obter este último componente, embora alguns analistas sugiram híbridos dos dois.

William Nordhaus de Yale, um dos mais importantes analistas da lógica econômica da mudança climática, defende de forma convincente uma mudança de licenças para impostos ("Life after Kyoto", Working Paper 11889, December 2005, www.nber.org). Por meio destes últimos, os países poderiam impor um tributo comum sobre emissões de carbono, mas manteriam a receita. Os países ricos transfeririam as tecnologias para a redução das emissões a um preço subsidiado. Os países pobres teriam tributos mais reduzidos e os mais pobres, nenhum. Sanções também poderiam ser impostas sobre os aproveitadores.

Quais são os benefícios desta abordagem? Em primeiro lugar, o custo marginal do carbono seria conhecido, previsível e razoavelmente uniforme em todo o mundo, em vez de ser volátil, como tem sido sob o sistema de certificados de comercialização. Em segundo lugar, não haveria necessidade de estabelecer referências arbitrárias. Em terceiro, haveria uma necessidade limitada para se impor transferências de receitas politicamente impopulares através dos países. Quarto, os impostos sobre carbono seriam usados para reduzir impostos em outros lugares. Quinto, ao contrário dos certificados de comercialização de créditos de carbono concedidos a poluidores, os impostos reduziriam o incentivo para a corrupção em larga escala. Por fim, os impostos existentes sobre combustíveis poderiam ser levados em conta.

A grande objeção a impostos é que eles não atenderiam uma meta específica para emissões. Este é um ponto de diferença fundamental entre as atitudes da maioria dos ambientalistas e da maioria dos economistas. Pois, como observa o professor Nordhaus, não existe um nível "correto" de emissões, independente dos custos.

O que urge é algum tipo de análise de custo-benefício no qual aceitamos que o objetivo de deter o aquecimento global não atropelará e não deverá atropelar tudo o mais, incluindo o desenvolvimento. É razoável, porém, empregar uma baixa taxa de desconto social e um alto benefício para reduzir o risco de eventos extremos. O resultado provavelmente será um preço elevado do carbono e um grande estímulo correspondente para economizar nas reduções. William Cline, do Instituto de Economia Internacional, com sede em Washington, advoga tributos muito mais elevados, de US$ 170 a tonelada, aumentando para US$ 600 em 2100. Um tributo de US$ 170 a tonelada arrecadaria agora aproximadamente US$ 1,2 trilhão em todo o mundo, o que é, para situar no contexto, 3% do PIB global ("Meeting the Challenge of Global Warming", in Bjorn Lomborg, "How to Spend $50bn to Make the World a Better Place", Cambridge University Press, 2006).

Onde estamos, então, na questão da mudança climática? Estamos num mundo de demanda crescente por energia. Estamos num mundo em que tanto a adaptação quanto a moderação são dispendiosos. Acima de tudo, estamos num mundo que não tem nenhuma estratégia eficaz. O protocolo de Kyoto é um gesto, não uma política. Investir pesadamente em novas tecnologias e chegar a um acordo sobre um imposto comum seria um verdadeiro começo. Podemos realizar este trecho juntos? Duvido.