Título: Juro é o mais baixo em 31 anos
Autor: Ribeiro, Alex e Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2006, Finanças, p. C1

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu ontem a meta da taxa Selic em 0,5 ponto percentual, para 14,75% ao ano, a menor taxa nominal de juros em 31 anos. O corte veio dentro das expectativas dos analistas do mercado financeiro, e foi o nono desde setembro de 2005, quando foi iniciado o atual ciclo de afrouxamento da política monetária.

A nota divulgada pelo comitê logo após o encontro é praticamente uma cópia da anterior, divulgada em maio, e por isso esclarece pouco sobre os passos futuros da política monetária.

"Dando prosseguimento ao processo de flexibilização da política monetária, iniciado na reunião de setembro de 2005, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 14,75% ao ano, sem viés, e acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até a sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária."

Na semana que vem, será divulgada a ata da reunião de ontem, provavelmente com mais detalhes sobre os motivos da decisão. Nos seus documentos oficiais, o comitê vem pregando parcimônia nos cortes de juros com o argumento de que há incertezas sobre como as reduções feitas até agora vão afetar a atividade econômica e a inflação.

Em tese, as perspectivas para o cumprimento das metas deste ano e do próximo são positivas. O relatório de inflação de junho projetava que, se os juros ficassem constantes em 15,25% ao ano, a inflação de 2006 fecharia em 3,8%, e a de 2007, em 4,2%. É provável que esses cenários tenham se tornado mais favoráveis depois que o IPCA de junho ficou negativo em 0,21%, abaixo da projeção do BC, que era um índice positivo de 0,25%.

Dependendo do parâmetro usado, é possível afirmar que a taxa decidida ontem é a mais baixa em 7, 10, 20 ou 31 anos. Se o critério for a meta da taxa Selic, esse é o percentual mais baixo desde março de 1999, quando o BC passou a trabalhar com metas para a taxa Selic, em substituição às antigas TBC e Tban. Outro critério é dizer que esse é o juro mais baixo fixado pelo Copom, que foi criado há dez anos. Também é possível dizer que a Selic é a mais baixa em 20 anos, tomando como premissa que o indicador foi criado em 1986. Finalmente, é possível usar um conceito mais amplo de taxa overnight, o que faz com que os juros sejam os mais baixos desde 1975, segundo dados da Andima, coletados pelo Ipeadata.

Como a decisão de cortar a Selic para 14,75% já estava amplamente incorporada ao "preço" dos ativos e como o comunicado pós-Copom foi idêntico ao das últimas reuniões e não forneceu nenhuma pista sobre as próximas decisões, toda a atenção dos mercados estará focada na ata, a ser publicada no dia 27. O economista-chefe da Concórdia Corretora, Elson Teles, considera possível que a projeção de Selic para o fim do ano das instituições pesquisadas pelo Boletim Focus do BC seja reduzida de 14,25% para 14%. Se for mantida a expectativa de 14,25% para dezembro, o espaço do Copom para novos cortes torna-se exíguo. Mas a tendência é de o mercado operar com viés positivo até quinta-feira, mas sem antecipar-se a uma ata mais otimista.

Embora nunca explícita sobre os passos vindouros de política monetária, até porque a próxima reunião do Copom ainda está muito distante (dia 30 de agosto), a expectativa é de que a ata conterá elementos capazes de fazer se sobressair uma das duas alas mais importantes hoje em disputa no mercado. "Se a ata carregar nas tintas em relação à necessidade de se avaliar o impacto sobre a atividade do desaperto monetário já feito, estará incentivando a corrente que aposta na parada técnica: o juro cairia mais 0,25 ponto e interromperia o declínio", diz o diretor da Modal Asset, Alexandre Póvoa.

Mas se o BC enfatizar no documento a baixa inércia que o IPCA de 2006 irá transmitir à inflação do ano que vem e comemorar um cenário benigno, que descarte a possibilidade de a atividade econômica pressionar os preços, estará dando razão à ala que vê aspectos mais estruturais e permanentes no declínio da inflação, os quais podem permitir um prolongamento do ciclo de cortes. Nesta ala, filiam-se, com algumas variações, pesos pesados do calibre do Bradesco, do Credit Suisse e da consultoria AC Pastore & Associados, do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. O CS prevê Selic de 13,75% em dezembro, taxa que se iguala ao recorde histórico de março de 1975.

A distensão nos mercados internacionais, decorrente do que Póvoa chamou de "resgate da credibilidade" pelo Federal Reserve (Fed), pode contribuir para uma flexibilização monetária mais longa no Brasil. A baixa do petróleo nos últimos quatro dias afasta também o risco de aumento de preços dos combustíveis este ano. Em suas atas, o Copom não trabalha com a hipótese de elevação da gasolina. Mas o economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini, lembra que o próximo Copom acontecerá em meio a safra de furacões nos EUA. No ano passado, os danos às refinarias instaladas no golfo do México fizeram disparar as cotações do barril.

Os analistas observam que os acenos de encerramento do aperto monetário feitos pelo presidente do Fed, Ben Bernanke, irão aumentar o fluxo de dólares em direção ao país. Não só os financeiros, mas também os dólares resultantes das exportações de commodities. Com isso, retornará ao centro do debate a questão de se utilizar ou não o melhor instrumento disponível para diminuir esse fluxo: um juro mais baixo.

O vice-presidente da Acrefi (a associação nacional das financeiras), José Arthur Assunção, vê a oportunidade de o Copom continuar baixando o juro até chegar a 13,50% em dezembro. "Nem mesmo as eleições presidenciais serão fator de risco para o país", diz.