Título: O reinado de ACM e a evolução das espécies
Autor: Nassif, Maria Inês
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2006, Política, p. A8

A história é implacável até no reino do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). Existem vários sinais de que a política andou para frente também em um dos últimos redutos do coronelismo. ACM manteve a hegemonia sobre a política baiana baseado no controle sobre o Tribunal de Justiça do Estado - e em consequência sobre o Tribunal Regional Eleitoral - , numa ampla bancada na Assembléia Legislativa e num poder federal que se traduzia no controle político sobre ministérios ou estatais capazes de dar vazão a um elenco de demandas regionais. Uma forte bancada no Congresso também era uma das variáveis de seu poder político, já que ela lhe conferia ascendência e poder de barganha dentro do partido e, em decorrência, poder de negociação com o Executivo. Mantinha assim - e isso ainda ele mantém - um poder de veto sobre as instâncias partidárias nacionais e sobre as decisões do Legislativo federal com uma bancada sob a sua liderança pessoal.

Aos 79 anos, o velho coronel não domina mais o Tribunal de Justiça. Nessas eleições, portanto, não terá a seu favor o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia que, historicamente, sempre complicou a vida dos adversários políticos do senador. ACM perdeu também o controle sobre o seu próprio grupo: hoje existe uma guerra surda entre "carlistas" e "soutistas" - estes últimos, partidários do governador Paulo Souto (PFL), candidato à reeleição, que assumiu a liderança sobre uma fatia considerável de políticos do PFL baiano. Para uma bancada estadual governista correspondente a dois terços do total da Assembléia, ACM domina diretamente apenas cinco parlamentares. Os demais integram a bancada do governador. ACM ainda detém o controle sobre uma ampla bancada federal, mas porque "carlistas" e "soutistas" não se dividem nas questões nacionais. Mas há três anos não tem acesso a nenhuma instância de poder federal - nem canais para dar vazão a demandas regionais. O governo do Estado, pela primeira vez nos últimos 19 anos, não tem nenhuma porta de acesso ao governo federal.

Desde as eleições de 2002, não é possível também dizer que ACM elege na Bahia o candidato a presidente que ele quiser. O senador apoiou Ciro Gomes no primeiro turno - e o candidato, então no PPS, foi o terceiro colocado na Bahia. Nessas eleições, ACM cobrou caro do PSDB o seu apoio ao candidato Geraldo Alckmin - como sempre, o PSDB nacional fez o diretório baiano se curvar ao poder do carlismo, do qual é adversário histórico. Não parece que os tucanos tenham feito um bom negócio. O apoio oficial do senador do PFL a Alckmin ocorreu em março. De lá para cá, não se registra mudanças no favoritismo de Lula no Estado.

-------------------------------------------------------------------------------- Senador não tem mais controle sobre justiça --------------------------------------------------------------------------------

ACM, contudo, é o mesmo. Mantém o mesmo estilo truculento, exige lealdade incondicional dos correligionários e é implacável com adversários. Mantém a política na esfera de seus interesses domésticos. Acredita que a hegemonia política é um bem hereditário. Não existe, para os partidários de ACM, chance de ascensão ao topo da política regional: este lugar cabe ao escolhido, dentro da família Magalhães. Depois de investir no filho Luís Eduardo Magalhães, um político talentoso que morreu precocemente, agora ACM impõe seu neto, Antonio Carlos Magalhães Neto, um rapaz de 27 anos que sai do movimento de juventude do partido direto para a posição de líder da política local. A imposição de um líder é extensiva à família: se os primos quiserem disputar um mandato, devem se submeter à liderança do herdeiro. Como com o filho, ACM faz questão de eleger o neto por uma larga margem de votos - e às custas das eleições de outros políticos do mesmo partido ou do mesmo campo ideológico. O lançamento da campanha do PFL na Bahia foi feito no palanque de ACM neto, candidato a deputado federal, e não do governador, ou do próprio Alckmin. Reuniu o próprio governador e os três senadores baianos, e sentenciou, dentro da velha máxima de quem está contra ele merece o inferno: ao seu lado estavam as pessoas honestas; os outros eram "bias falcões" -uma referência à vilã da novela "Belíssima".

Ao contrário do tio, que era mais afável do que o velho ACM, o neto assume o mesmo discurso do avô. No site da Câmara, é possível ler a sua biografia, onde se afirma que, em 2002, "coube a ele (o neto) a tarefa de ocupar as bases carlistas e combater politicamente nos municípios parlamentares que traíram o PFL e imaginavam transferir votos para o PMDB". Continua o site: "O carisma, o pendor para a oratória, o preparo intelectual, a experiência acumulada na militância estudantil e nas organizações partidárias de juventude, a convivência com homens públicos de estirpe e, sobretudo, a ligação política umbilical com Antonio Carlos Magalhães, fazem de ACM Neto uma das maiores revelações do talento político da Bahia nos últimos anos".

O modesto sucessor de ACM está sendo imposto como líder a um elenco de políticos baianos mais velhos, com maior experiência política e também com um certo cansaço da política de submissão absoluta ao seu avô. ACM Neto, se conseguir suceder o ACM original, certamente não terá a lealdade que aquele conquistou intimidando recalcitrantes com o Judiciário ou com a perseguição política. Se Lula for reeleito, o império que ACM delega ao neto ficará mais quatro anos sem o poder federal. ACM avô, e em consequência o neto, não terão mais os três senadores baianos, com ou sem Lula: o candidato carlista ao Senado, Rodolfo Tourinho, não parece deslanchar a sua candidatura. O avô e o neto terão mais quatro anos de Paulo Souto, com tudo o que isso significa para consolidar uma liderança conservadora fora dos limites do clã Magalhães. E ambos também têm reduzido o seu poder de barganha nas eleições nacionais, devido à forte concorrência do Bolsa Família. O Estado tem uma população adensada em regiões muito pobres e vinha dela o poder eleitoral dos chefes políticos. Os programas sociais do governo Lula, aliados à invenção da urna eletrônica, imune a fraudes e pressões diretas sobre o eleitor, desintermediaram esse voto. Pelo menos nessas eleições, esse eleitor não estará sob a órbita de influência do chefe político local ligado ao chefe estadual.

A Bahia que ACM Neto herdará do avô, definitivamente, não é mais a mesma. É o caso de acreditar na evolução das espécies.