Título: G-8 dá algum alento às negociações de Doha
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Fonte: Valor Econômico, 20/07/2006, Opinião, p. A10

A Rodada de Doha tem mais um mês pela frente para avançar ou consolidar seu fiasco, a alternativa mais provável até agora. Os países mais poderosos do planeta, reunidos em São Petersburgo para o encontro do G-8, sinalizaram um horizonte de até a metade de agosto para que se chegue a um pré-acordo sobre a abertura nos mercados agrícola e industrial. Houve sinais de que os principais atores da rodada concordaram em ceder um pouco mais para que se rompa o impasse, que hoje engloba todas as frentes de negociações. Não se trata de um gesto espetacular, mas é um alento para os que ainda acham possível concluir os entendimentos até o fim do ano.

Como principal articulador do G-20, o Brasil teve um papel importante ao obter um sinal político para que os negociadores tentem o que for possível para evitar que a rodada sucumba ao impasse. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia conversado anteriormente com o presidente americano, George Bush, especificamente sobre o assunto. Meses antes, havia proposto um encontro de mandatários para que eles impulsionassem as conversas, ameaçadas por divergências de toda ordem. O Brasil aproveitou a chance: os principais países capazes de decidir o destino de Doha estavam na Rússia e deram à sua maneira o que Lula insistira para obter.

Dois novos encontros ministeriais estão agendados para que os países apresentem propostas melhoradas de abertura comercial. Houve sinais suficientes da União Européia, apesar dos brados irados vindos da França, de que ela acabará aceitando elevar o corte médio de tarifas agrícolas de 39% para 54%, como foi proposto pelo G-20. É um sinal esperançoso, embora concessões igualmente difíceis tenham de ser feitas em outras frentes para que um acordo se torne possível. A principal delas é a do tratamento aos produtos sensíveis, que representam algo em torno de 10% da pauta de importações européia, segundo Marcos Jank, presidente do Icone, mas nos quais estão bens em que o Brasil é muito competitivo e que são contidos por um draconiano regime de cotas.

O presidente George W. Bush já fez vários pronunciamentos a favor da retirada dos subsídios agrícolas americanos desde que os EUA obtenham contrapartidas claras dos europeus. A disposição até agora continua apenas disposição. Os EUA se opõem a reduzir o montante de subsídios internos a menos de US$ 20 bilhões - na média, gastam US$ 15 bilhões. Para haver um corte efetivo, a proposta é a de que o montante diminua para US$ 12 bilhões e seja amarrado a um compromisso que impeça a utilização de mecanismos pelos quais os subsídios migrem de um tipo para outro. Após novos sinais de Bush a favor do acordo, espera-se que a representante americana Susan Schwab acene com uma proposta mais em linha com o corte dos subsídios. Os americanos insistem, entretanto, que essa barganha seja acompanhada pela oferta inequívoca de maior acesso a mercados para as exportações do país.

UE e EUA cobram dos países em desenvolvimento maior abertura agrícola e industrial. O Brasil já praticamente se comprometeu com melhorar sua oferta e aceitará o coeficiente 20, pelo qual a tarifa máxima cairia para 23%, ante os 35% atuais. Mas, embora os países industrializados apresentem posições inflexíveis para abertura e acesso a mercados agrícolas, os países em desenvolvimento podem contribuir para o fracasso das negociações. Vários deles defendem salvaguardas especiais diante de queda de cotações ou aumento de importações, o que significa introduzir pela porta dos fundos o que se quer banir na mesa de discussões. A Índia não aceita reduzir significativamente seu pesado esquema tarifário de proteção à indústria e ao campo. Também em São Petersburgo, África do Sul e Índia se comprometeram a voltar a Genebra com pratos mais palatáveis.

Apesar da abertura de mais uma fresta para o entendimento, as divergências são numerosas e intensas. No caso de um acordo, que tende a não ser ambicioso, seria necessário que um tortuoso e complexo processo de detalhamento fosse concluído até dezembro. Esta tarefa é virtualmente impossível. Perdendo prazos, a rodada provavelmente entrará em dormência, pelo menos até que o obstáculo do prazo seja removido - Bush só tem autorização para negociar acordos comerciais até julho de 2007.