Título: Brasil deve adotar meta para câmbio, defendem analistas
Autor: Lamucci,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2012, Brasil, p. A4

Para combater os efeitos negativos da valorização do real sobre a indústria, o Brasil deve adotar uma meta para a taxa de câmbio, num cenário em que o país recebe um fluxo abundante de capitais do exterior, seja para aproveitar o diferencial entre os juros internos e externos, seja por causa dos altos preços de commodities. Com algumas diferenças, essa foi a estratégia sugerida por alguns economistas presentes ontem ao seminário "Crescimento com estabilidade - Novo desenvolvimentismo no Brasil", promovido pelo Centro de Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Assessor da vice-presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Francisco Eduardo Pires de Souza acredita que o país deve trabalhar com um intervalo não explícito de flutuação para o câmbio, sem mencionar um piso ou um teto para o dólar. "Acho isso fundamental, até para os empresários do setor industrial poderem se programar." Para investir em setores que exportam ou concorrem com importados, é importante uma taxa mais previsível e competitiva.

Souza reconhece que há um desafio de peso nesse quadro - o de manter a taxa num nível mais competitivo por um tempo prolongado, evitando ao mesmo tempo uma pressão inflacionária relevante. Para ele, é importante que a política fiscal não seja expansionista, de modo a ajudar no combate a inflação, abrindo espaço para juros menores, o que atrairia menos capitais externos.

Souza acredita ainda que o país tem sofrido com a doença holandesa (o fenômeno pelo qual o câmbio se valoriza muito, pelo peso das commodities na pauta de exportações, afetando as atividades manufatureiras). "Eu dou uma interpretação mais ampla à doença holandesa, relacionada também à entrada forte de capitais associada à euforia com as commodities. Outro ponto é que, quando os preços desses produtos aumentam, o câmbio se valoriza, mesmo que não tenha havido uma exportação mais forte, por causa do impacto sobre as expectativas", diz ele.

O economista-chefe da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), Heiner Flassbeck, diz que evitar a valorização do câmbio é hoje o maior desafio dos países emergentes. O Brasil, segundo ele, é a principal vítima das manobras especulativas envolvendo moedas, nas quais os investidores tomam recursos emprestados a juros baixos em países como Japão ou EUA e os aplicam nos que oferecem juros elevados. Com as taxas mais altas do mundo, o Brasil foi e continua a ser um destino perfeito para esse tipo de operação. Para ele, esse fator é mais relevante para a valorização do real do que os altos preços de commodities.

Nesse cenário, Flassbeck acha que o Brasil deve adotar a estratégia da Suíça. Em setembro do ano passado, o país surpreendeu os mercados ao definir um piso para a taxa de câmbio, de 1,20 francos suíços por euro, para deter a trajetória de apreciação do câmbio. Segundo ele, estabelecer uma meta explícita para o real, de preferência 10% a 15% mais desvalorizada que a atual cotação, é uma forma de combater o excessivo fortalecimento do câmbio, que tanto prejudica a indústria. "O Brasil precisa agir de modo mais determinado para atuar contra a especulação", afirma ele. "Mas há dois poréns para o Brasil adotar essa estratégia", ressalva Flassbeck. Segundo ele, a inflação e o custo unitário do trabalho (a relação entre salários e produtividade) têm subido mais do que nos parceiros comerciais do país, o que aprecia o câmbio em termos reais, e os juros altos continuam a atrair capitais estrangeiros.

A saída para lidar com esses problemas é um acordo entre o Banco Central, o governo e os sindicatos, afirma Flassbeck. Para ele, o ideal é que se passe a operar com uma meta de inflação mais baixa que os atuais 4,5%, na casa de 2% a 3%, e que os trabalhadores aceitem aumentos nominais de salários menores - os reajustes reais andariam em linha com os ganhos de produtividade. Com essa combinação, o BC poderia baixar mais os juros, o que daria credibilidade à meta definida para a taxa de câmbio. Flassbeck considera um "desastre" o resultado da indústria de transformação no Brasil. "Eu vejo o Brasil com potencial para crescer 7%, 8%, 9% de modo sustentado, mas as condições macroeconômicas para isso têm sido desfavoráveis." No evento, Flassbeck apresentou um cálculo da Unctad mostrando que o real estaria cerca de 25% valorizado em relação à taxa efetiva de equilíbrio, calculada com base na paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês).

O economista chileno Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, defende a adoção de uma banda explícita para o real, mas flexível É importante trabalhar com uma taxa que devolva competitividade à indústria manufatureira, diz ele. Palma acredita que o piso deve ficar na casa de R$ 2, sem definir um teto. Controles de capitais mais amplos e juros menores fazem parte da receita do economista para o Brasil ter esse câmbio mais desvalorizado. "Os controles adotados até o momento são muito porosos. Você só paga o imposto se tiver um mau contador", afirma ele, acreditando que parte do fluxo de investimentos para atividades produtivas na verdade são fluxos de capital que vêm para o país aproveitar os juros elevados.