Título: Um choque de gestão na política de saúde
Autor: Lottenberg, Cláudio
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2006, Opinião, p. A10

A assistência médica é um dos itens mais desejados do pacote de benefícios oferecido pelas companhias. Possuir um plano de saúde oculta ativos intangíveis, tais como segurança e comodidade à família. Trata-se, inclusive, de uma ferramenta decisiva na atração e retenção de talentos. Em meio a isso, porém, há um gargalo que atormenta os gestores da área: o sistema, da maneira como está arquitetado, tornou-se um fardo financeiro para as empresas. Os gastos com saúde representam a segunda maior despesa das organizações, atrás apenas da folha de pagamento, segundo levantamento realizado pela Mercer Resource.

O problema é de caráter universal e ninguém no mundo formulou respostas consistentes para essa questão - a ponto de um estudo revelar que, até 2008, uma empresa que integra as maiores da "Fortune 500" gastará em benefícios de saúde o mesmo que vai gerar em lucros. Dessa forma, a preocupação com os custos alocados em saúde é crescente nesse planeta globalizado. Os Estados Unidos gastam atualmente cerca de 15% de seu PIB no setor, enquanto na Europa o percentual médio atinge 9%. No Brasil, a estimativa é em torno de 7%, enquanto a renda per capita da nossa população é significativamente inferior à apresentada em economias mais desenvolvidas. Para azedar esse cenário, a informalidade excluiu os cidadãos do sistema privado, dito suplementar, a ponto de este grupo reunir menos de 35 milhões de usuários. Há cinco anos, este número era de 41 milhões.

A medicina privada no Brasil vem diminuindo não só proporcionalmente ao total, mas também em números absolutos. Hoje em dia, representam algo em torno de 20% da população. Portanto, o que temos assistido é um recuo no número de usuários do sistema privado que não mais contrata o benefício saúde como antigamente. E, quando o faz, exige por parte da fonte pagadora um gerenciamento mais rígido e efetivo com menores custos. A fonte pagadora, anteriormente um elo que assumia riscos frente as sinistralidades, vem apresentando cada vez mais o papel de um administrador de recursos que por meio de indicadores (medicina baseada em evidências científicas, gestão de qualidade, co-participação do usuário), contrata os serviços de provedores que são acompanhados e medidos em sua performance.

Logo, fica claro que saúde não tem preço, mas tem custos. Concretamente, a inflação médica chega a ser três vezes maior que aquela que rege a economia como um todo. Perversamente, fica a pergunta: como financiar o segmento diante de valores cada vez mais onerosos? Há, aqui, uma lógica perversa: a incorporação tecnológica encarece os tratamentos. Nesse setor, as novas tecnologias são indicadas sem que as antigas sejam aposentadas. Hoje em dia, o médico solicita a velha radiografia e adiciona a tomografia computadorizada para concluir seu diagnóstico. Esses procedimentos contribuem para ampliar a expectativa de vida das pessoas, é verdade, mas resulta num aumento de custos. Essa dificuldade evidencia-se na população mais velha, demandada por mais consultas, exames e internações.

-------------------------------------------------------------------------------- Mundo corporativo vem procurando brechas para aumentar seu controle interno e amenizar gastos com planos de saúde --------------------------------------------------------------------------------

Diante deste quadro complexo, galvanizado por embates polêmicos, o mundo corporativo procura brechas para aumentar seus controles internos e amenizar a interferência dos gastos com planos de saúde no resultado das corporações. Onde quer que se olhe, está em curso um choque de gestão. Assim, as empresas se debruçam em estudos para implementar modelos diferenciados para a assistência médica. Nessa jornada, as organizações vão precisar de funcionários cada vez mais comprometidos e conscientes dos cuidados com a saúde, pois colaborador saudável reduz custos. O objetivo é pragmático: uma força de trabalho sadia evita despesas no futuro. As organizações estão acompanhando de perto seu capital humano e buscando alternativas para conter os gastos.

Esses esforços corporativos passam pela ênfase na prevenção, educação, segmentação de risco e acompanhamento de pacientes crônicos, por exemplo. Essas medidas, no entanto, contribuem na busca de soluções, mas por si não resolvem. Na outra ponta, a melhor alternativa para esse fosso seria a combinação entre o sistema público e privado. Como prover uma medicina de primeiro mundo com um orçamento para a saúde que é 50 vezes menos e um gasto com medicamento 35 vezes maior que o dos Estados Unidos? Em um país como o Brasil, a complexa equação do atendimento total à saúde não será resolvida sem uma sinergia, cada vez mais visceral, entre os serviços públicos e privados, e entre as grandes instituições hospitalares e as unidades ambulatoriais - cada qual buscando a melhor performance em sua esfera de competência. Vale aqui a ressalva de que para algumas complexidades existe necessidade de uma inserção maior que sinergize o próprio SUS com o sistema privado face justamente à necessidade de escala para a sustentabilidade. No transplante hepático isto já ocorre diante da incapacidade de financiamento privado e questões relativas a expertise e competência.

Para concluir, o nome do jogo é a sustentabilidade do sistema de saúde. Digo, novamente, que o cidadão custeia, direta ou indiretamente, o seu programa de saúde dentro de limites suportáveis. Portanto, para uma boa prática assistencial, o valor agregado aos serviços passa a ser valorizado e questionado pelo gestor e, principalmente, pelo consumidor final, a quem cabe a tarefa de financiá-lo. Cabe aqui a ressalva de que este consumidor, num cenário de inclusão digital e de transparência, reúne condições de comparação de atos médicos em âmbito globalizado. A ética, efetivamente, segundo Weber, não aponta para os nossos interesses. A ética, de fato, atua de forma incisiva no interesse do próximo, que no caso é o paciente. A bem de suas necessidades temos que avançar num debate centrado em argumentações que transformem a estrutura. Este é o fim da cadeia de atendimento e não a razão para o insucesso do modelo.

Cláudio Lottenberg é presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein.