Título: Estados divergem sobre liberação de bebida
Autor: Lima,Vandson
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2012, Política, p. A10

Se aprovada com o texto tal como está em tramitação na Câmara dos Deputados, a Lei Geral da Copa 2014 - e precisamente seu ponto mais controverso, que é a liberação da venda de bebidas nos estádios de futebol durante os jogos - deve ainda vai arrastar muita discussão sobre seu alcance efetivo.

A retirada do artigo do relator Vicente Cândido (PT-SP) que continha a expressa permissão da venda e consumo de álcool durante a competição expôs o texto a toda sorte de interpretações. Para o ministro dos Esportes Aldo Rebelo (PCdoB), a suspensão temporária do trecho do Estatuto do Torcedor relativo à questão é suficiente e prevalece em relação às leis específicas dos Estados. Mas até deputados da base aliada do governo contestam a tese e creem que ficaria a cargo da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e dos Estados-sede a negociação caso a caso. Se este entendimento vingar, a miríade de opiniões Brasil afora pode resultar em um embate de final mais imprevisível que o atual.

Dos 12 Estados que receberão a Copa, sete têm normas ou leis específicas de proibição à venda de bebida em eventos esportivos.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) classificou como "omissão da área federal" deixar para os Estados a definição. "Se o governo federal se omitir, os Estados vão decidir. Eu vou trabalhar junto aos demais governadores para ter uma posição única", afirmou.

O Estado desde 1996 proíbe o consumo e a venda de bebidas alcoólicas num raio de 200 metros dos estádios. Em 2008, a prefeitura da capital, onde está localizado o estádio que abrigará a estreia da seleção brasileira na competição, aprovou lei ainda mais dura, com multa prevista para quem vender, consumir, transportar ou fornecer, ainda que gratuitamente, bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e conjuntos poliesportivos no período de 2h antes e 1h depois dos eventos esportivos profissionais.

No Legislativo paulista o assunto causa controvérsia. Para além das normas já existentes, o deputado Campos Machado (PTB) apresentou esta semana um projeto de lei que visa proibir a exposição, venda, consumo e até o transporte ostensivo de bebidas alcoólicas em locais públicos de São Paulo.

Para o líder do governo, deputado estadual Samuel Moreira (PSDB), o Legislativo deve esperar a orientação do governador. O líder da bancada do PSDB Orlando Morando diz que se o assunto chegar à Assembleia "vai ser alvo de muito debate" e acredita, num primeiro momento, que o correto seria a proibição da venda e a liberação da propaganda de bebidas no evento. Líder da maior bancada da Casa, o petista Alencar Santana diz que os parlamentares de seu partido ainda não discutiram a respeito. "Pessoalmente entendo que devemos defender o cumprimento do acordo feito em 2007 entre o governo brasileiro e a Fifa, com a liberação da bebida durante a competição".

Contrário ao consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), está disposto a abrir uma exceção caso a liberação seja necessária para garantir a Copa do Mundo 2014 em Porto Alegre. Via assessoria, informou que se o ônus da negociação com a Fifa recair sobre os Estados, ele enviará um projeto ao Legislativo propondo a autorização da venda nos jogos, apesar da polêmica que o tema promete criar.

Os problemas aparecem já na base do governo, que tem o apoio de 32 dos 55 deputados estaduais e, em tese, poderia aprovar sem dificuldades qualquer projeto. Mas no caso das bebidas a história pode se complicar, a começar pela resistência do deputado Miki Breier (PSB), aliado de Genro e autor da lei estadual que proibiu a venda do produto dentro dos estádios gaúchos desde abril de 2008.

"Quero que a lei seja respeitada", afirma o parlamentar, que promete recorrer à Justiça caso a liberação seja aprovada em âmbito estadual ou federal. Nem o PT, que tem a maior bancada da Assembleia, com 14 deputados, sabe ainda o que fazer. Líder do governo, Valdeci Oliveira (PT) prefere não comentar o assunto enquanto não receber manifestação oficial do Palácio Piratini. O líder da bancada petista Daniel Bordignon também não atendeu aos pedidos de entrevista. E o deputado Raul Pont, que é vice-líder partidário e se dispôs a falar, considera uma "ingerência descabida" a exigência da liberação da bebida. "Acho ridículo o país ficar à mercê do lobismo da Fifa", afirma.

A oposição também está dividida. O PSDB, com cinco deputados, tende a ser contra a liberação, enquanto PP (sete parlamentares) e o PMDB (oito) sinalizam com apoio ao possível projeto do governo. Para o líder do PP João Fischer, a discussão sobre o caso é "pequena" diante da "grandiosidade" da competição. "Temos que liberar porque vamos receber turistas do mundo inteiro e a Copa será um momento de festa, sem clima de disputa entre torcidas rivais", argumenta.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), é outro que pretende enviar à Assembleia Legislativa do Estado projeto para flexibilizar a proibição. Na Alerj, onde o governo tem maioria, a liberalização de bebidas durante a Copa é dada como certa embora tramite na Casa, desde dezembro, projeto de lei do deputado Luiz Paulo (PSDB) que veda, mesmo durante a Copa, a comercialização de álcool nos estádios fluminenses.

Opositores de Cabral admitem que, mesmo se fossem contrários à venda de álcool nos estádios, não teriam como barrar um eventual projeto do governador. O deputado Paulo Ramos (PDT) defende que durante a Copa seja aberta uma exceção. "Um brasileiro foi à Fifa e firmou contrato com a instituição e não o contrário. O Brasil precisa cumprir o acordado para não ficar em posição constrangedora frente ao mundo. A discussão não é de soberania", avalia. Ele critica a indefinição no plano federal. "O Congresso está fugindo de suas responsabilidades e as delegando a terceiros. A Copa é do Brasil e não de Estados", alega.

No Paraná, o deputado estadual Marcelo Rangel (PPS) fez um requerimento de uma audiência pública para discutir a questão. Ela foi marcada para o dia 24 de abril e, segundo Rangel, a percepção inicial é de que há mais parlamentares favoráveis à proibição, em que pese haver "argumentos fortes a favor". Ele defenderá a proibição. "Sou contra. Ceder a pressões externas é como retroagir", diz.

Na Arena, estádio que vai sediar a Copa em Curitiba, não se vende bebida alcoólica desde 2008, nem dentro das instalações e nem em um raio de 100 metros de distância. Naquele ano, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Paraná e a Federação de Futebol. Em nota, o MP reafirmou a posição do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e da União (CNPG) quanto à proibição, "inclusive na perspectiva da propositura de medidas judiciais, se necessário".

No Distrito Federal, não há lei específica sobre o assunto. O governo, portanto, seguirá o que for aprovado pelo Congresso. Há dois anos, a Federação Brasiliense de Futebol fez um acordo com o Ministério Público que proibiu o comércio e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios. Em nota, o governo afirma que "aguarda a decisão do Congresso Nacional" e que "preliminarmente, se manifesta pela disposição em cumprir o acordo internacional firmado pelo país e pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva".

No Ceará e em Pernambuco, dois Estados com leis específicas de proibição ao álcool em eventos esportivos, os governadores Eduardo Campos e Cid Gomes (ambos do PSB) já sinalizaram que trabalharão por uma mudança nas regras para o período da Copa.