Título: A taxa Selic continua em queda, mas o spread não
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2006, Opinião, p. A8

Aos poucos, o Brasil vai deixando de ser o campeão mundial dos juros altos. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a taxa básica de juros (Selic) para 14,75% ao ano, o menor patamar desde 1986, quando a taxa foi criada. Em termos nominais, é o terceiro menor nível de juros do planeta. Infelizmente, embute ainda o maior juro real do mundo - cerca de 9,9% ao ano.

Na opinião de muitos analistas, o Copom continua atuando de forma excessivamente conservadora. A inflação em 2006, segundo as expectativas do mercado, pode ficar em torno de 3,8%, abaixo, portanto, da meta definida de 4,5%. Além disso, ao contrário do que ocorria no passado, a robustez das contas externas - as contas correntes continuam superavitárias -- torna a economia brasileira muito mais resistente a choques externos.

Outro fator positivo é que, mesmo com a expansão dos gastos públicos neste ano eleitoral, o governo federal está cumprindo, pelo oitavo ano consecutivo, a meta de superávit primário em suas contas, um elemento crucial para a queda da relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto (PIB). Todos esses fatores justificariam, na visão de muitos economistas, um comportamento mais agressivo do Copom na condução da política monetária.

De qualquer forma, o importante é que o cenário econômico, mesmo com os riscos de turbulência vindos do exterior, não sinaliza a interrupção no movimento de queda da taxa Selic. O que se mostra intrigante, neste momento, é o nível dos spreads bancários, ou seja, a diferença entre os juros pagos pelos bancos em suas captações e os cobrados de seus clientes, pessoas físicas e empresas.

Estudo do Banco Central mostra que existe uma forte correlação entre a taxa Selic e os spreads. Quando o juro básico cai, a taxa cobrada pelos bancos deveria recuar numa intensidade ainda maior. Uma das razões para isso é que o custo de captação dos agentes financeiros diminui. A outra é que os bancos podem queimar, no momento de queda da Selic, parte da gordura acumulada ao longo dos períodos em que a economia entra em ciclos desfavoráveis.

Desde setembro do ano passado, a taxa Selic sofreu redução de cinco pontos percentuais. Para surpresa geral, os spreads praticamente não se alteraram desde então. Ao investigar o fenômeno, o Banco Central descobriu que os bancos expandiram as carteiras de crédito em segmentos onde os juros já são naturalmente mais elevados - notadamente, os empréstimos para pessoas físicas e para pequenas e médias empresas.

Governo e Banco Central sabem que, mesmo que a racionalidade justifique, os bancos não vão reduzir seus spreads na velocidade esperada. Na experiência recente, o que ele fizeram, ao expandir o crédito em nichos com juros mais altos, foi elevar a margem bruta média das operações. Em boa medida, isso ocorre porque o grau de competição no sistema bancário é baixíssimo.

Os dez maiores bancos têm em suas mãos 70% dos ativos financeiros no Brasil. A concentração é agravada pelo fato de os dois maiores bancos - Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal - serem estatais. Juntos, eles detêm 35% do mercado. Não será, portanto, com a queda adicional da Selic que o país assistirá a uma mudança radical nos juros cobrados pelos bancos.

Quando presidiu o BC, Armínio Fraga deflagrou uma série de iniciativas com vistas à criação de um ambiente propício à redução dos spreads. Algumas avançaram: aprovou-se uma nova lei de falências, instituiu-se a cédula de crédito bancário, ampliou-se a alienação fiduciária. Outras medidas entraram em compasso de espera no Congresso. São exemplos disso o projeto que cria o cadastro positivo e o que permite ao trabalhador escolher o banco onde vai receber seu salário.

O primeiro possibilitará que os tomadores de empréstimos construam seu histórico de crédito baseado em informações positivas, permitindo aos bancos cobrar taxas de juros de acordo com esse relacionamento - hoje, o cadastro é negativo, o que leva as instituições financeiras a darem o mesmo tratamento a bons e maus pagadores. O segundo projeto almeja estimular um pouco a competição entre os bancos, o que, igualmente, deverá ajudar a reduzir os spreads.