Título: Lei Geral da Copa revelou descompasso inócuo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2012, Política, p. A6

Até transformar-se em barganha para forçar a votação do Código Florestal na Câmara, o que ocorreu efetivamente ontem, a Lei Geral da Copa tramitou esta semana por negociações descompassadas entre o Palácio do Planalto e os líderes do PT e do governo na Câmara. No fim, a tensão revelou-se inócua e artificialmente fabricada. As bebidas alcoólicas, depois da semana de debates, estão permitidas nos estádios durante os jogos da Copa do Mundo de futebol. É o que dizem o projeto original do governo enviado ao Congresso, o relatório do deputado Vicente Cândido, a decisão da Comissão Especial e a recomendação de votação feita pelo governo anteontem, em última forma.

A incompreensão se deu à partir da decisão do deputado Arlindo Chinaglia, ao assumir a função de líder do governo com o carro da Lei da Copa em movimento, de fazer uma consulta sobre o real compromisso do governo federal com a Fifa em torno da livre comercialização de bebidas nos estádios.

Em 2007, todos os candidatos a sediar a Copa assinaram suas garantias e aditivos. Entre essas garantias está a cobertura para que os patrocinadores possam comercializar seus produtos. Todos os países que disputaram as Copas firmaram esses compromissos. A Alemanha, inclusive, reagiu mal antes de aceitar comercializar na sua Copa a cerveja americana. Os países que vão sediar a Copa em 2018 e 2022 já assinaram as mesmas garantias. Inclusive o muçulmano Qatar. O Brasil assinou, se comprometeu com as exigências.

O governo fez um projeto de lei geral e mandou para a Câmara, em setembro do ano passado, cumprindo o acertado. Essa lei teria que suprimir o artigo de uma emenda feita a uma outra lei, do Estatuto do Torcedor, de 2010 (três anos depois de firmado o compromisso com a Fifa para sediar a Copa), que proíbe a venda de bebidas em estádio. O estatuto é de 2003 mas a emenda da proibição é de 2010, e nem foi regulamentada ainda.

A lei proposta pelo governo apenas suspende a proibição feita pelo estatuto. O relator deputado Vicente Cândido, porém, resolveu colocar um outro artigo para reforçar: além de retirar a proibição, incluiu a permissão. O governo o apoiou, o relatório foi assim votado na Comissão Especial.

Com a troca de líderes do governo na Câmara, houve uma primeira discussão da agenda de votações, com a presença de Ideli Salvatti (ministra das Relações Institucionais) e Ivo Correia (funcionário do setor jurídico da Casa Civil). Arlindo Chinaglia quis saber se havia mesmo compromisso do Brasil com a Fifa, se era algo do interesse do Estado ou se o relator apenas colocara a permissão por iniciativa própria. O assessor Ivo respondeu vagamente que achava que não havia compromisso.

Como era um assunto que tensionava a base aliada, onde estão evangélicos e bancada da saúde contra a bebida, Chinaglia perguntou à chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, se valia a pena comprar a briga, mas ela também não sabia responder claramente.

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, foi informado por parlamentares de que o governo recuara do acordo com a Fifa. Buscou saber se a presidente desautorizaria mesmo o documento assinado por Lula em 2007. A presidente confirmou o cumprimento do acordo e das garantias dadas. O governo partiu, então, para recomendar votação no projeto mas na forma como enviara anteriormente, apenas com a supressão da proibição, retirando o artigo 29, redundante, que tornava a permissão explícita mas estava confundindo os líderes e bancadas.

Em qualquer uma das duas fórmulas, só suprimindo a proibição, ou também explicitando a permissão, há brechas para contestação judicial nos Estados que têm leis específicas proibindo bebidas alcoólicas em estádios. Como os Estados, para sediar jogos, foram solidários à assinatura do acordo com a Fifa, devem providenciar a compatibilização de legislação concorrente.