Título: Subsídios podem chegar a US$ 1 trilhão no mundo
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2006, Especial, p. A10

As subvenções governamentais totais à agricultura, indústria e serviços podem superar US$ 1 trilhão por ano, valor equivalente a 4% do PIB global. Essa é uma das estimativas que a Organização Mundial do Comércio (OMC) publica hoje em seu relatório anual - que sai no auge da Rodada Doha, onde o tema está no centro da negociação.

A definição de subsídios segue provocando confrontos entre países. O relatório foca vantagens concedidas pelos governos a certos produtores que têm impacto no comércio. Em proporção de sua renda nacional, as nações desenvolvidas recorrem mais a essas práticas (vantagem fiscal, pagamento direto etc) que as nações em desenvolvimento.

Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, aponta uma "inacreditável" falta de dados confiáveis e sistemáticos sobre subvenções. Daí porque economistas apontam uma estimativa mais modesta para os subsídios globais, de US$ 300 bilhões (6% das despesas públicas dos países), dos quais US$ 250 bilhões concedidos por nações ricas. Para a OMC, os subsídios podem ser instrumentos úteis para corrigir "carências do mercado" e cumprir objetivos sociais, mas também podem distorcer o comércio e gerar reações de parceiros.

O estudo aponta tendência de queda nas subvenções agrícolas em nações desenvolvidas, que estão no centro da Rodada Doha. Mas o volume atual entre os países ricos ainda oscila entre US$ 230 bilhões e 280 bilhões por ano, penalizando exportadores agrícolas como o Brasil.

No setor industrial, a ajuda beneficia sobretudo mineração, siderurgia, carvão, silvicultura, pesca, construção naval e industria automotiva. No setor de serviços, concentra-se em transporte, turismo, bancos, telecomunicações e audiovisual.

Muitos governos concedem estímulos para criar infra-estrutura, ajudar setores em dificuldade ou fomentar a criação de "campeões nacionais" em algumas áreas, promover pesquisa e desenvolver conhecimentos, proteger o meio ambiente, distribuir a renda e ajudar consumidores pobres.

Mas alguns dão subsídios, segundo Lamy, por "razões menos defensáveis", e tornam-se uma ameaça às relações econômicas quando tentam arrancar uma vantagem estratégica. Os economistas da OMC desfiam a teoria econômica para indicar que nem todos os objetivos de política industrial, por exemplo, podem ser alcançados com maior eficiência por meio de subsídios. Alertam que as subvenções podem distorcer o comércio ao conceder uma vantagem competitiva artificial aos exportadores e à ramos da produção que competem com importações. O maior conflito hoje na OMC envolve as fabricantes da área de aviação Airbus (européia) e Boeing (americana), que foi antecedido por disputa semelhante entre Embraer (brasileira) e Bombardier (canadense).

Apesar da "grave falta" de informações, a entidade vê "indícios" de maior concessão de ajuda "horizontal" (geral), o que provoca menos distorção, do que ajudas específicas a determinados setores. Numa mostra com 31 países em desenvolvimento, a ajuda governamental representa, em média, 0,6% do PIB. Já em uma mostra com 22 nações ricas, o percentual é maior: 1,4% do PIB. Os europeus indicam um volume de ajuda a empresas e agricultores muito mais elevado, enquanto o Japão fica entre a UE e os Estados Unidos.

As regras comerciais sobre o tema evoluíram ao longo dos anos. Mas o confronto ainda é entre ricos e emergentes. EUA, UE, Japão e outros acreditam que as regras não são suficientemente estritas para limitar ajudas que distorcem o comércio na área industrial - porque na agricultura são bem mais reservados. Já países como o Brasil querem flexibilidade para promover ações com objetivos de desenvolvimento e expansão industrial, como os ricos tiveram no passado - mas defendem a redução dos subsídios agrícolas.

Para Pascal Lamy, uma coisa é certa: "Se as regras não são percebidas como algo que serve aos interesses nacionais e favorece a cooperação internacional, será tão difícil de fazer que elas sejam respeitadas quanto encontrar o Graal [que na literatura medieval representava a busca da perfeição]". (AM)