Título: A reforma do Judiciário que estrangula
Autor: Pastore, José Eduardo Gibello
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Em 8 de dezembro de 2004, foi promulgada pelo Congresso Nacional Emenda à Constituição nº 45, que estabeleceu a reforma do Poder Judiciário. A referida reforma, dentre muitas outras novidades, estabeleceu a ampliação dos poderes da Justiça do Trabalho. Neste item, alguns pontos são relevantes. Qual é o impacto socioeconômico da ampliação dos poderes da Justiça do Trabalho?

O artigo 114 da Constituição Federal disciplinava, antes da reforma do Judiciário, que a Justiça do Trabalho tinha como objetivo analisar a relação entre trabalhadores e empregadores. O texto novo previu que a Justiça do Trabalho passaria a analisar as ações oriundas da relação de trabalho, ou seja, o vocábulo "trabalho", neste sentido, é utilizado de forma genérica. Na pratica, o que vai acontecer é que o juiz do trabalho apreciará as relações de trabalho, sejam de emprego ou não.

Os contratos de prestação de serviços, os trabalhadores autônomos, os contratos de empreita e os contratos com profissionais liberais, ainda que não empregados, por exemplo, passam à alçada do juiz do trabalho. Este fato indica que este juiz analisará contratos, que a princípio, têm natureza jurídica civil.

A referida reforma pretendia criar, como afirmou o secretário especial de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça à época, Sérgio Renault, "condições reais para que o Poder Judiciário se fortaleça e seja capaz de atender a demanda da sociedade por mais e melhores serviços jurisdicionais". O Brasil, no campo das relações de trabalho, é campeão mundial de ações. São aproximadamente dois milhões e meio de ações trabalhistas por ano. A França e os Estados Unidos têm, em média, 75 mil casos. O Japão tem 2.500.

No ano de 2003, foram julgados 305.290 processos trabalhistas na segunda região da Justiça do Trabalho, em São Paulo, média que se manteve em 2004 e 2005. Em 2003, cada uma das 141 varas do trabalho julgou em média 2.165 processos. As mesmas varas receberam, também em 2003, quase 2.300 novos processos. Se a jornada de um juiz do trabalho for de oito horas, o que não é, então durante seu expediente semanal, para dar conta dos 2.165 processos, o magistrado deveria julgar 18 processos por hora. Além disso, cada juiz trabalhista realiza em média 15 audiências por dia, o que lhe obriga, além de julgar, dar conta, dentro da mesma jornada de trabalho, de ouvir testemunhas, prepostos, advogados, reclamantes etc.

-------------------------------------------------------------------------------- O sistema de relações do trabalho privilegia o dissenso no lugar do consenso e sacrifica a empresa e o trabalhador --------------------------------------------------------------------------------

Como se nota, atualmente é humanamente impossível os juízes realizarem seu trabalho com o zelo e atenção que certamente desejam. O que se poderia imaginar então que iria acontecer com o aumento da competência da Justiça do Trabalho? A resposta é a criação de novas varas do trabalho para dar conta do aumento de volume de processos, que vai certamente aumentar o gasto com a manutenção do Poder Judiciário - valor este que é pago pela sociedade.

A reforma do Judiciário trabalhista foi no caminho errado e os resultados já se fazem presentes. Ao invés de privilegiar as formas alternativas de solução de conflitos, como a autocomposição, a mediação e a arbitragem, desafogando a Justiça, a reforma preferiu sobrecarregar ainda mais o juiz do trabalho. Este, para dar conta da demanda, admite uma sobrejornada, levando trabalho para a casa, castigando sua família, que se acostuma a ver um magistrado trabalhando inclusive aos sábados, domingos e feriados, sem férias, sem descanso e sem pagamento de horas extras. Interessante o juiz julgar, muitas vezes, uma situação que vive.

A premissa equivocada de que só o Estado-juiz tem o poder de solucionar os conflitos entre capital e trabalho desestimula o crescimento, incita as partes para o conflito, onera a sociedade e impede que o trabalhador receba seus direitos no momento oportuno e na vigência do contrato de trabalho. O sistema de relações do trabalho no Brasil privilegia o dissenso no lugar do consenso e sacrifica a empresa e o trabalhador.

O capital, na impossibilidade de cumprir a legislação trabalhista brasileira - a mais detalhada do mundo -, prefere aguardar a ação judicial e pagar o que deve na Justiça. O trabalhador, sabendo que o capital nem sempre pode cumprir o que a lei determina, trata o mesmo como adversário. Por conta disso, as partes, ainda que inconscientemente, fazem um pacto no inferno, prometendo a ambas o purgatório, materializado na relação de desconfiança mútua, enquanto vigente um contrato de trabalho que deveria ser harmonioso. Um absurdo!

Este é o resultado da reforma do Poder Judiciário de 2004. Ninguém está satisfeito com o que está aí e ainda se acreditava que a solução estava na ampliação da competência da Justiça do Trabalho e na criação de mais varas do trabalho com mais juízes, funcionários públicos etc. Dizem que a Justiça que tarda já falhou. Justiça tardia não é sequer justiça. Maior prejuízo socioeconômico que este não há. E todos perdem. Talvez seja hora de se promover uma reforma na reforma trabalhista.

José Eduardo Gibello Pastore é advogado trabalhista e mestre em direito das relações sociais e direito do trabalho pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo