Título: Mais um capítulo sinistro da guerra fiscal estadual
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2012, Opinião, p. A12

Quando a tendência à valorização do câmbio se consolidou, com o aumento expressivo das importações, aberrações tributárias do país que até então passavam despercebidas tornaram-se públicas. É o caso dos incentivos fiscais dados por dez Estados aos bens importados, que motivou uma versão bastarda e ainda mais nociva da guerra fiscal estadual, apelidada de "guerra dos portos". Até o nome de batismo é enganoso nesse jogo de subterfúgios no qual alguns Estados estão simplesmente interessados em um feirão de descontos para empurrar compras externas a outros Estados, embolsando algum dinheiro e alimentando a concorrência desleal com a produção nacional ou com bens importados por outros Estados. Não é sequer necessário que o Estado tenha um porto para lançar mão da artimanha. Goiás é o Estado que alega ter as maiores perdas do país se o benefício acabar, algo como R$ 1,9 bilhão. Longe do mar, tem um "porto seco", entreposto onde o desembaraço de mercadorias importadas é feito, ou então por onde passam mercadorias destinadas para a exportação.

Boa parte das vantagens dos Estados que dão descontos de ICMS aos bens importados se acentuou com o aumento acelerado das importações. Goiás, ativo na guerra fiscal, foi um dos que mais cedo iniciaram a prática (2002), pouco depois do Mato Grosso do Sul (2001) e um pouco antes de Santa Catarina (2003). Adotaram ainda vantagens fiscais para a importação Paraná, Pernambuco, Tocantins, Sergipe, Espírito Santo e Alagoas.

Esses benefícios unilaterais nunca foram aprovados pelo Conselho de Política Fazendária, mas, como nos demais casos de espertezas da guerra fiscal, tornaram-se tão corriqueiros na realidade que alguns governadores o consideram praticamente um direito adquirido. A resolução 72 do Senado, que o governo apoia, dispõe que a alíquota interestadual do ICMS dos produtos importados seja uniformizada em 4%, o que tornaria desprezíveis as vantagens dos Estados que aproveitam a farra dos importados para fazer caixa. Agora, assiste-se à reação dos Estados à proposta da resolução.

Os governos de Santa Catarina, Goiás e Espírito Santo foram os mais enérgicos na defesa dos privilégios que concedem a fabricantes no exterior. Eles querem ser compensados pela União pela perda dessa duvidosa fonte de recursos, pedem um prazo de adaptação para a extinção do benefício, que poderia ocorrer finalmente só em 2020. Santa Catarina não vê mal nenhum em dar incentivos desse tipo a importações sem similar em seu território, como forma de compensar os maiores custos logísticos de produzir longe dos grandes centros consumidores.

Os governadores conseguiram ganhos substanciais sobre outros Estados. Estudo da Fiesp mostra que a participação no total de importados industrializados que ingressaram por Santa Catarina desde o início da vigência do benefício subiu de 2% para 6,6%. No Paraná, o percentual foi de 6,3% para 7,7% e em Goiás, de 0,8% para 2,8%. Em 2010, 9,8% do total de importações entraram no país pelos Estados que concedem incentivos, ou quase US$ 15 bilhões.

Essa política é imediatista e míope, além de nociva à produção nacional. Pode-se compreender que um Estado conceda incentivos para se industrializar e criar empregos, para reduzir desigualdades regionais etc., embora isso não legitime o vale-tudo da guerra fiscal. Há algum progresso econômico e aumento da arrecadação. No caso do incentivo ao bem importado, há sem dúvida aumento de receitas dos Estados e uma economia de custos das empresas importadoras que equivale a gozarem de uma taxa de câmbio mais favorável para as compras no exterior. Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, os importados passam a custar 9% a menos com os benefícios estaduais, como se o câmbio fosse de R$ 1,64, e não de R$ 1,82 vigente.

Do jeito que o incentivo foi desenhado, ele serve como um pedágio camarada para mercadorias que serão destinadas a outros Estados, com ganhos para o exportador estrangeiro e para empresas atraídas por insumos mais baratos vindos de fora. O avanço das importações tornou a necessidade de pôr fim a esse benefício específico mais urgente. Mas não há dúvida de que as questões que estão na sua origem só podem ser adequadamente resolvidas em uma reforma tributária. Não há, porém, boas chances de que ela ocorra tão cedo.