Título: Aulas na fábrica
Autor: Torikachvili, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Suplementos, p. E1

A decisão de promover antigos funcionários a melhores cargos e salários esbarrou num sério problema dentro da Eurofarma. "Muitos deles não sabiam nem fazer conta de somar", conta Mikiko Inoue, diretora de recursos humanos da empresa. "Foram admitidos analfabetos e assim permaneceram porque o trabalho na produção não exigia nada além de esforço braçal". Para recuperar o tempo perdido, a Eurofarma lançou o programa Educação para o Futuro, alfabetizou 900 funcionários do chão de fábrica e formou outros 200 no ensino médio.

Com a nova perspectiva veio o entusiasmo: seis deles estão na faculdade e garantem as mensalidades com subsídio da empresa. A Eurofarma, segundo Mikiko, investiu R$ 420 mil desde 2002 nos programas de alfabetização e aceleração, numa parceria com o Centro Especializado em Capacitação, Aperfeiçoamento e Educação (Cecae). "Formamos várias turmas e cada funcionário que participou do programa desenvolveu novas competências dentro da empresa", diz.

A chegada das novas tecnologias na Avon, em 2002, revelou uma situação até então desconhecida: boa parte dos funcionários tinha dificuldade de entender os processos, absorver instruções e até buscar informações. Diante da realidade, a diretora executiva de RH, Sara Behmer, conta que tinha duas alternativas: trocar ou treinar os funcionários. "Decidimos treinar", diz. O volume considerável de analfabetos funcionais entre os colaboradores da área de manufatura levou a empresa a implantar o Avon Aprender. Em parceria com o Centro de Aprendizagem Empresarial Piaget (Caep), o programa possui tem classes de realfabetização, de aceleração do ensino fundamental e do ensino médio.

Menos de quatro anos depois, os funcionários da área operacional estão aptos a entender qualquer procedimento. Muitos servem como exemplo para os poucos que resistem ao supletivo. "Se tivéssemos de demitir e contratar novos funcionários, a empresa teria gasto 1,5 vez a mais do que investiu no reforço aos antigos colaboradores", calcula Sara. Embora o currículo do MEC seja cumprido, o ensino é customizado de acordo com a realidade da empresa. Para fixar o aprendizado e dar reforço às competências, a Avon instituiu estações de leitura em todas as plantas, onde os cerca de cinco mil funcionários têm acesso a livros, revistas, jornais, filmes. "São áreas de lazer que fazem parte do processo educativo da empresa", explica Sara.

Programas de reciclagem, de capacitação e treinamento integram a política de muitas empresas. No Banco Itaú, os recursos na área chegarão a R$ 43 milhões para 2006. "É um investimento no próprio negócio", diz Paulo Aquino, superintendente de educação corporativa. Os programas e cursos chegam a 1,6 milhão de horas de treinamento ano e são adaptados às necessidades de cada área, envolvendo os quase 50 mil funcionários. O banco tem convênios com 54 faculdades no Brasil.

"Cada funcionário do banco faz uma média de 3,2 cursos por ano", calcula Aquino. Aos talentos especiais o Itaú oferece a oportunidade de um mestrado internacional. Jovens de até 32 anos passam por um processo seletivo para uma das dez faculdades de renome nos Estados Unidos. O investimento representa US$ 200 mil por aluno no período de dois anos. O Programa A, como é conhecido no banco, elege seis jovens por ano e, desde 1983, quando foi instituído, formou 144 funcionários em mestrado internacional.

Ampliar a capacidade com a melhoria da escolaridade foi a opção da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), do Grupo Arcelor Brasil, desde 1992, quando a empresa foi privatizada. Como os processos de produção foram substituídos por modernas tecnologias, a empresa reforçou os que mal sabiam ler e fechou parcerias para que todos tivessem, no mínimo, o ensino médio. "Levamos dez anos para chegar a esse estágio", diz José Augusto Servino, gerente de desenvolvimento e remuneração da Arcelor.

"O maior ganho foi a inclusão profissional das pessoas", destaca Servino. Dos 4,4 mil funcionários, cerca de mil passaram por processos de realfabetização. Por conta das oportunidades, muitos foram para a universidade e subiram de posto, como o caso de João Mattos Magalhães, que começou como inspetor eletricista, em 1992, e vários cursos e faculdades depois, pleiteia hoje o cargo de advogado da CST. "Apostamos nas pessoas como peças-chave do crescimento da empresa", afirma Servino. Os resultados foram importantes no ganho de produtividade. Depois de dez anos e um investimento de R$ 10 milhões, a produção da CST, que era de 3 milhões de toneladas por ano em 1992 pulou para 7,5 milhões de toneladas em 2006.

-------------------------------------------------------------------------------- Aplicar em saber garante retorno. Nossos funcionários receberam um 14º. salário em junho e devem receber um 15º no final do ano" --------------------------------------------------------------------------------

A educação voltada para os negócios na Universidade Corporativa Algar tem como foco o autodesenvolvimento dos dez mil funcionários do grupo. Entre eles estão cerca de 5,8 mil atendentes do call center, onde a maioria é de jovens em busca de formação universitária. Entre os colaboradores cerca de 70% reivindicam subsídios para iniciar ou concluir o terceiro grau e para fazer especialização. Eliana Rezende, gerente de desenvolvimento da universidade, diz que cada empresa do grupo dispõe de um fundo.

"O fundo varia de acordo com a média salarial dos colaboradores de cada empresa e as verbas são distribuídas por um comitê de educação", afirma. Neste ano, são cerca de 7 mil funcionários beneficiados e cada um recebe uma média de R$ 150 por mês para fazer frente às mensalidades. Os alunos também conseguem descontos de até 40% nas escolas e universidades, por conta do vínculo com a Algar.

Na Cavo, empresa do Grupo Camargo Corrêa, o programa Tempo de Estudar beneficiou mais de 2,2 mil funcionários desde 1997. Varredores, motoristas, soldadores, mecânicos e pessoal de manutenção passaram por programas de alfabetização. Quem conclui os cursos tem a oportunidade de subir na carreira dentro da própria empresa. "Varredores viram motoristas; motoristas vão para uma vaga no almoxarifado e todos podem ter uma oportunidade", diz Carla Bonatti, assistente social da Cavo. Entre 1999, quando o programa foi implantado, e este ano 81% foram beneficiados com programas de auxílio educacional.

No Santander Banespa, o investimento em educação é de cerca de R$ 20 milhões por ano - uma média de R$ 1 mil para cada funcionário. "Investimento social significa manter a qualidade dos serviços", diz Ulrico Barini, vice-presidente de RH. Por entender que "o consumidor exclui a empresa quando o serviço é de baixa qualidade", Barini acredita que investir em educação é uma questão de competitividade. O Santander contrata cerca de 4 mil jovens por ano. "Em geral, trata-se do primeiro emprego para todos eles", afirma. "Para todos os funcionários o banco reserva até 100 horas de treinamento por ano".

A Votorantim Cimentos estabeleceu metas de conclusão do ensino médio desde 2001. A primeira estabelecia que todos os funcionários precisariam ter ensino fundamental completo até 2005 - e foi cumprida. A próxima deve ser finalizada em 2007, com todos com diploma do ensino médio. Dos 8 mil funcionários, 1415 são beneficiados pelos programas Crescer e Despertar, que envolveram um custo de R$ 300 mil em cinco anos. Para quem quiser continuar os estudos, a Votorantim subsidia até 70% o valor do curso de graduação, desde que esteja relacionado à área de atuação do funcionário.

Na gigantesca estrutura da Confederação Nacional das Revendedoras Ambev (Cofenar) 105 mil funcionários atendem cerca de 1 milhão de pontos de venda em todo o país. Para esse contingente, os cursos atendem as necessidades regionais. A programação começou com investimento no pessoal do topo, para os quais os cursos de MBA podem custar até metade do valor real. "Já temos mais de 100 MBAs dentro da rede", calcula Adriana Neves, diretora de comunicação e marketing da Confenar. Nos cargos de gerência, 50 freqüentam cursos de especialização. Para 270 vendedores da Confenar, os cursos oferecidos são de capacitação para supervisores.

Na Telefônica, o Jovem de Alto Potencial (JAP) é um programa mundial lançado em 1998 e tem como estratégia a formação de novos líderes. Os Japs, como são conhecidos na companhia, são jovens de até 30 anos, com alta performance, perfil internacional, fluente em pelo menos duas línguas. "Quando preenche essas características, ele entra numa máquina de fazer líderes", diz Françoise Trapenard, vice-presidente de RH da Telefônica. "O programa é um acelerador de carreira e o jovem terá de provar que tem a mesma competência quando está em diferentes cenários e lidando com diferentes contextos."

A Telefônica oferece ainda cerca de 140 conteúdos de e-learning - desde idiomas até matemática financeira, estatística e formação em gestão. Os acessos aos cursos impressionam: os cerca de 7,5 funcionários registrados acessaram 10,5 mil conteúdos em 2005. Françoise revela que 80% dos funcionários são assíduos freqüentadores dos cursos, entre os quais 40% estão na base da pirâmide.

Investimento no funcionário faz a empresa crescer. Juarez Cançado, presidente da ATP, prestadora de serviços bancários, diz que a "meta de crescimento para 2006 era de 65%, mas já crescemos 66% só no primeiro semestre". Os dois mil funcionários participam do Programa de Educação Continuada que oferece bolsas totais ou parciais, desde que os cursos estejam alinhados com a estratégia da empresa. A verba para educação é de 1,78% da folha de pagamento, que representa R$ 265 milhões por ano. "Aplicar em saber garante retorno", diz Cançado. "Por conta do bom desempenho, nossos funcionários receberam um 14º salário em junho e devem receber um 15º no final do ano".