Título: Disputa federativa é o maior desafio do governo, diz Barbosa
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2012, Especial, p. A14

Tanto ou mais do que a "guerra cambial" ou o "tsunami monetário", é a "guerra federativa" que está no centro das preocupações de uma parte importante do governo. Acumularam-se problemas e contenciosos entre os Estados que só uma construção política coordenada pela Presidência da República poderá resolver. Não é suficiente fazer a desoneração da folha de salários para mais setores da indústria e deixar que Estados da Federação concedam incentivos do ICMS para importação; ou, ainda, que 55% do ICMS arrecadado pelos Estados seja cobrado de apenas três insumos: energia, telecomunicações e combustíveis.

Essa concentração surgiu da facilidade com que se pode cobrar o tributo nesses setores. Fato que agrega custos para a produção, gerando perda de competitividade industrial, que vai além da valorização da taxa de câmbio. Um caminho possível para reduzir o imposto sobre as tarifas de energia, por exemplo, seria mudando a forma de pagamento: transferindo a cobrança dessa conta do consumidor para o contribuinte.

Ontem, houve um avanço nas negociações para acabar com o incentivo fiscal para importação. O governo vai aceitar uma lista de exclusão gradual dos produtos beneficiados pelo benefício, que será acordada com cada governador. O de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), por exemplo, já admitiu excluir as importações de têxteis, automóveis, aço e polipropileno da lista beneficiada por redução da cobrança de ICMS.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, encarregado de dar encaminhamento a vários dos temas que estão na "disputa federativa", como ele prefere chamar, enumerou ao Valor o leque de problemas à espera de solução e concluiu: "A hora, agora, é da política".

Um acordo de governadores, coordenado pelo governo federal e aprovado pelo Senado, é que terá que dar vazão às questões do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do incentivo do ICMS às importações, da unificação das alíquotas do ICMS e da distribuição da renda do petróleo entre Estados produtores e não produtores (tanto dos royalties quanto das participações). Além desses, há outros problemas para resolver, como uma eventual mudança nos contratos de renegociação da dívida dos Estados com a União ou, ainda, de como pagar o reajuste de 22,22% do piso salarial dos professores sem bater nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Na terça feira, Barbosa foi ao Senado onde, durante audiência pública, discutiu com vários governadores sobre como colocar um ponto final na "guerra dos portos", nome dado à prática assumida por governadores que reduziram a cobrança do ICMS sobre bens importados. Lá, ouviu dos presentes que a questão federativa "está em crise", conforme disseram governadores que vão perder receitas substanciais com essas mudanças.

Ontem, ele esteve com alguns governadores e começou a alinhavar uma proposta que, além da lista de exclusão, terá um prazo de transição, embora bem mais curto do que os Estados pretendem.

Os governadores reivindicam, ainda, um aporte adicional de recursos no FPE, por parte do Tesouro Nacional, por causa da mudança, ainda em discussão, nos critérios de distribuição desse fundo, que vão causar perdas para uns e ganhos para outros. Colocar mais recursos federais no FPE seria uma forma de diminuir os conflitos, argumentam os governadores. "A União não tem condições de aumentar nada", disse o secretário-executivo da Fazenda ao Valor.

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a atual partilha do FPE e concedeu prazo até dezembro deste ano para que o Congresso aprove uma lei complementar definindo os novos critérios de rateio. No Congresso, onde o assunto está em pauta, tramitam três dezenas de projetos de lei complementar com a redefinição do fundo.

Sem avançar na proposta de unificação das alíquotas interestaduais do ICMS, há, também, o acalorado debate sobre o fim do incentivo fiscal para as importações, tema que tira o sono de alguns governadores. Essa é uma das iniciativas que o governo federal considera cruciais para enfrentar a perda de dinamismo da indústria doméstica. O benefício do ICMS representa o equivalente a uma desvalorização de 9% do dólar frente ao real para os importadores, indicou Barbosa. Para alguns estados, porém, é fonte de receitas imprescindíveis. Sobretudo para os Estados do Espírito Santo, Goiás e Santa Catarina.

Havia a ideia, no ano passado, da presidente Dilma Rousseff negociar com os governadores a redução da alíquota interestadual do ICMS para todos os produtos, mas essa era uma medida condicionada à conclusão de um acordo sobre a partilha dos royalties do petróleo. Não aconteceu nem um nem outro. A disputa pelas receitas do petróleo está na Câmara e o governo federal não quer mais se envolver nessa questão. "Já abrimos mão de uma parte de nossas receitas de royalties em favor dos Estados", disse Barbosa.

A redução da taxa básica de juros, pelo Comitê de Política Monetária (Copom), é outro fator de tensão que deve provocar mudança nos contratos de renegociação das dívidas estaduais e municipais feitos com a União. Firmados em 1997, com duração até 2027, eles carregam juros de 6% a 9% ao ano mais a variação do IGP-DI. O custo dessas dívidas ficará mais pesado do que se fosse a taxas de mercado.

A presidente informou a interlocutores que concorda em conversar com os governadores para negociar novas condições contratuais desde que a agenda inclua outros temas. Nesses, estariam como condicionantes o fim da guerra fiscal entre os Estados, com aprovação da unificação das alíquotas interestaduais do ICMS, novos critérios para o FPE e um acordo sobre outros temas de interesse geral, como o Plano Nacional da Educação e a chamada PEC 300, que estabelece piso nacional para polícias e corpo de bombeiros.

Decisões de consenso sempre foram a marca das negociações entre os Estados. Apesar disso, no Conselho de Política Fazendária (Confaz), onde o consenso é premissa, pouco se respeita o que foi acertado. O governo deve optar por resolver o que for possível no Senado e abandonar o processo consensual, hoje muto difícil de se conseguir.