Título: Formação profissional e crédito são desafios no setor
Autor: Borges, André e Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Empresas, p. B2

Que tal morar em Nova York, com passagem paga, ajuda de custo para moradia e - suprema admissão ao "american way of life" - trabalhar no projeto da nova rede interna de computadores da NBA, a superliga do basquete americano? Pois mesmo oferecendo tudo isso, Mauricio Cacique Andrade está enfrentando dificuldades para achar um candidato capaz de preencher a vaga. "Começamos a seleção há 45 dias e só encontramos um profissional adequado", diz o presidente da empresa de software Flag IntelliWan. O que falta aos candidatos? No caso da vaga em questão, a fluência em inglês. "A língua é um grande problema", constata Andrade.

Situações como a da Flag não chegam a ser raras. Com a expansão das empresas brasileiras para os mercados internacionais, começa a faltar gente capaz de reunir capacidade técnica e habilidade no idioma. A BRQ, que emprega 1,3 mil profissionais e tem dois escritórios em Nova York também se ressente do problema. "Até 2007 vamos investir US$ 1,3 milhão para aumentar a exportação, mas achar pessoal treinado para isso é realmente complicado", diz Benjamin Quadros, presidente da empresa.

Além da fluência em inglês e da necessidade freqüente de atualização, que funcionam como uma peneira entre quem já é formado, a escassez de profissionais capacitados tem outro motivo: menos estudantes estão sendo atraídos pela carreira, diz Cesar Leite, presidente do grupo Processor. "Há 17 anos, quando prestei vestibular, havia cerca de 30 candidatos por vaga na área de informática. Hoje, nas faculdades mais importantes, a relação não passa de um para cinco."

Esse desinteresse, afirma o empresário, é consequência da própria incapacidade da indústria de atrair talentos. "Quem sabe inglês e conhece (as linguagens de programação) .Net e Java, consegue um salário de R$ 1,5 mil já no segundo semestre", diz ele. Apesar disso, sobram vagas.

A carência de pessoal preparado não é, entretanto, o único desafio do setor para exportar: achar financiamentos adequados pode ser ainda mais difícil. O problema, dizem os empresários, está nas garantias requeridas. No caso dos setores tradicionais da economia, o bem a ser adquirido - um trator, por exemplo - pode ser usado como garantia do empréstimo. Na área de software o bem é intangível: trata-se da própria linha de código. "As instituições financeiras não entendem isso e exigem o patrimônio do investidor", diz Leite. "O resultado é que a capacidade de endividamento do setor fica restrita à do próprio empresário."

As empresas tentam driblar esses desafios e investir nos requisitos básicos para chegar ao exterior, como a certificação de software. O grupo A&C, de Belo Horizonte, está usando uma linha de crédito do Banco do Brasil para aplicar em normas CMM. Para obter o nível um, a empresa calcula que um investimento de US$ 80 mil. E este é só o primeiro passo de uma escalada que tem cinco fases e demora em média três anos para ser concluída. "No Brasil, a certificação é muito cara e difícil", diz Luciano Azevedo de Souza, superintendente comercial do grupo.

Além dessas e de dificuldades internas comuns a outras áreas de atividade, como o chamado custo Brasil e os impostos que oneram a mão-de-obra, os empresários do setor acreditam que falta construir, no exterior, uma imagem favorável do país como referência em software. É o que governos como os da Índia e da Irlanda têm feito, de maneira sistemática, nos últimos anos.

No Brasil, vários órgãos do governo e associações empresariais têm surgido com esse fim. Para alguns empresários, porém, isoladamente esses organismos não têm força suficiente para propagar as vantagens brasileiras, como o fuso horário favorável e a capacidade dos técnicos de criar software do zero em vez de escrever linhas de código. O caminho, defendem alguns, seria centralizar a gerência das ações em um só lugar. É o que pensa Andrade, da Flag. "Falta uma agência capaz de pensar a exportação de software de maneira mais estruturada", diz ele. (JLR e AB)