Título: Exportações patinam e ficam longe da meta do governo
Autor: Borges, André e Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Empresas, p. B2

Em 2004, quando o governo federal anunciou a meta de elevar as exportações de software de US$ 120 milhões para US$ 2 bilhões em três anos, o mercado recebeu o desafio com cautela. A projeção, porém, não deixou de reavivar aspirações antigas do setor: empresários farejaram a possibilidade de que suas reivindicações, como a redução da carga tributária, finalmente fossem atendidas.

Agora, porém, às vésperas de o prazo vencer, o assunto continua controverso, reforçando o ceticismo de boa parte dos executivos. Para começar, não existe um número consensual sobre o volume de programas que deixam o país todos os anos. Enquanto analistas falam em vendas de US$ 172 milhões no ano passado, empresários do setor dizem achar aceitável um movimento de US$ 250 milhões.

O governo defende a tese de que o setor chegou a exportar US$ 400 milhões, com base em números da Softex, uma associação do setor. A própria entidade, no entanto, revela que não conseguiu fechar seu balanço do ano passado por falta de verba. Por enquanto, nem a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento tem informações abrangentes. Segundo Maurício do Val, diretor de políticas de comércio da Secex, a entidade trabalha para obter dados mais precisos, mas no momento só mede serviços de software - como suporte técnico e integração de sistemas -, e não o total de programas vendidos.

Na indústria, é consenso que a projeção inicial era exagerada. "A meta não obedecia a uma avaliação criteriosa", diz Mauricio Cacique Andrade, presidente da empresa de software Flag IntelliWan. "Era um número mágico."

A tese encontra sustentação no próprio governo. Questionado sobre os critérios que levaram a fixar tal meta, Augusto Gadelha, secretário de política de informática do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), resume a questão: "Foi um número, digamos, bastante alto, até inatingível, mas que refletia o entusiasmo das exportações".

À ausência de dados confiáveis, junta-se outra conclusão pouco animadora: não importa o número escolhido, as exportações de software ficarão muito aquém dos cobiçados US$ 2 bilhões para o ano que vem. "O Uruguai, que tem uma economia muito menor, exportou US$ 100 milhões no ano passado. Supondo que o Brasil exportou US$ 250 milhões, a comparação é completamente desproporcional", diz Cesar Leite, diretor presidente do grupo de tecnologia Processor, do Rio Grande do Sul.

As dificuldades das empresas brasileiras para avançar nas vendas externas de software já vêm de muito tempo e incluem desde a falta de certificação até a ausência de profissionais com inglês fluente. Mas além dessas questões estruturais, alguns mecanismos pontuais, criados com o fim de estimular as exportações, também se mostraram ineficazes.

É o caso do Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes). O dispositivo reduz a zero as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins em compras internas e na importação de máquinas e equipamentos para empresas que exportam 80% da receita bruta.

Parece vantajoso, mas desde sua criação, no fim de 2005, o programa não conseguiu deslanchar. "Não conheço nenhuma empresa que aderiu; o volume de exportação exigido é muito alto", comenta Saulo Porto, executivo de relações governamentais da IBM Brasil.

A intenção do governo era de que as empresas interessadas montassem operações independentes, destinadas somente à exportação. A cisão facilitaria a tributação pela Receita Federal, além de gerar um acompanhamento mais detalhado do volume exportado.

"Eu até poderia optar por esse caminho, mas não vi benefícios. Pouco se avançou na questão tributária", lamenta Marco Stefanini, presidente da empresa brasileira de software que leva seu sobrenome. Considerada uma das companhias mais agressivas na exportação de sistemas, a Stefanini tem presença física em 11 países. Apesar disso, a fatia internacional deve representar apenas 22% do faturamento neste ano. "É um trabalho contínuo. Queremos fazer com que as exportações alcancem 50% dos negócios em quatro anos", projeta o empresário.

Sem as ferramentas adequadas para estimular as empresas nacionais a exportar, o mercado brasileiro vive uma situação curiosa: boa parte de suas vendas externas de software são geradas por grandes companhias estrangeiras que escolheram o país como base de projetos globais, atraídas pelos custos reduzidos.

É o caso da americana EDS, cuja receita no país - de valor não revelado - cresceu 25% em 2005, puxada pela exportação de serviços. A empresa, que no ano passado contratou 1,2 mil funcionários no país para atender a contratos internacionais, prevê dobrar o número nos próximos três anos.

Apesar disso, executivos da companhia vêem com preocupação as condições oferecidas no país para exportar software. "O governo deveria se preocupar menos com metas, e mais com o que fazer para aumentar a base de negócios no país", diz Alexandre Jacobs, executivo responsável pela área de exportação da EDS.

O risco, alerta Jacobs, é a concorrência crescente dos vizinhos latinos. "O efeito cambial tem impacto muito forte. Alguns países estão crescendo muito por causa da valorização do real frente ao dólar", comenta. "A Argentina está se posicionando de forma rápida. E o México, em muitos casos, é a primeira opção dos americanos."

Por trás do interesse dos Estados Unidos - que respondem por 43% do mercado mundial de sistemas de informática, segundo a consultoria IDC - estaria o aumento das operações hispânicas naquele país. A própria EDS Brasil admite que já perdeu contratos para outras subsidiárias da companhia. Mesmo assim, a perspectiva é positiva.

A IBM é outro exemplo. A empresa pretende contratar 2 mil profissionais no país até o fim do ano, reforçando sua equipe de 9 mil pessoas. Até 2008, a intenção é chegar a 20 mil funcionários, de olho nas oportunidades oferecidas pelo mercado internacional, além dos negócios locais.

Outro recente investimento vem da espanhola Soluziona, do grupo Unión Fenosa, que está injetando R$ 10 milhões em sua fábrica de sistemas em Campinas (SP). Parte dos planos inclui concentrar a produção mundial de alguns sistemas no Brasil. Com 120 colaboradores, a fábrica exporta para clientes no México, na Venezuela e na Argentina. Ações comerciais também estão ocorrendo no Chile, na Espanha e nos Estados Unidos.